160 Anos de Botucatu e a Camarotização do Espaço Público
Ou sobre o que não sabemos, aprendemos e o que nos resta. Parabéns, Botucatu!
por Sérgio Viana – texto opinativo
Durante os últimos dias, Botucatu celebrou com muito orgulho seu aniversário de 160 anos de emancipação política. O local escolhido para as festividades oficiais foi mais uma vez o Largo da Catedral, localizado bem no centro da cidade e perante prédios públicos, como a Prefeitura e próximo de escolas tradicionais e históricas como o colégio La Salle, Escola Estadual Cardoso de Almeida (EECA) e Escola Cardoso de Almeida (Cardosinho), além da Igreja matriz que dá nome ao espaço.
No entanto, exatamente nestes dias em que deveria ocorrer uma das maiores festas populares do município – afinal, a data de 160 inspira os botucatuenses de entusiasmo – , o Poder Público optou por uma fórmula, digamos, não tão popular assim. Uma das principais críticas sempre feitas por cidadãos, principalmente motoristas, é que quando há evento sendo realizado no local o trânsito se torna ainda mais caótico do que o normal… pois bem, para a surpresa e espanto de alguns, neste aniversário o trânsito não foi apenas prejudicado, mas totalmente interrompido. Placas de metal faziam o impedimento de qualquer possível passagem para o ‘recinto’, que não fossem as entradas oficiais. Até mesmo a nova Praça Digital, recém-inaugurada com sucesso após mais uma revitalização, foi praticamente isolada da festa, assim como a entrada da Catedral de Santana e as ruas que cortam seu largo.
Quando fora anunciada a festa e seus moldes, já era de se estranhar a camarotização do evento, promovida pelo novo shopping e a rede atacadista, com apoio da Prefeitura, ainda mais estranho foi a falta de transparência dos objetivos da camarotização – que seria ajudar no custeio das despesas do evento -, nos outdoors nada que descrevesse quais eram os preços e condições, apenas, no rodapé, o aviso de camarotes a venda e um número de telefone para contato. Nas redes sociais muitas pessoas denunciavam a cobrança de até R$ 1.800,00 para comemorar de modo diferenciado, numa festa paga pelo povo, onde o povo pode pagar mais pra ter a mesma festa, mas num camarote.
Todo o caso se torna ainda mais estranho ao ser analisado mais cuidadosamente e de perto – in loco. Através do orçamento da Secretaria Municipal de Turismo e com assinatura deliberativa do secretário municipal de Comunicação, Carlos Pessoa, a empresa Orleans e Carbonari Eventos LTDA recebeu a bagatela de R$ 600 mil pelas quatro atrações musicais que se apresentaram. É de se estranhar que a mesma Secretaria de Turismo demonstre tanta ineficiência e falta de recursos quando o assunto é realmente promover uma política que torne Botucatu mais atraente e de forma permanente, através do investimento em manutenção de nossas áreas verdes, cachoeiras, mirantes e informação útil a quem aqui deseja conhecer e desbravar. Afinal, muito se propaga que Botucatu é a “Terra da Aventura”. Estradas de acesso estão sujas e mal cuidadas, trilhas deterioradas e inseguras, falta sinalização para acesso a diversos pontos e, por falta de (in)formação, nem sequer os próprios botucatuenses conhecem o potencial de aproveitamento do seu município.
A socialização do prejuízo também estava escancarada. Mesmo com um espaço público privatizado, com restrição de acesso e diferenciação de tratamento, os organizadores ainda contaram com o efetivo de Segurança Pública da Guarda Civil Municipal e Polícia Militar para ajudar na organização privada do aniversário botucudo. Não foi suficiente. Um dia depois vem a tona a prisão de uma quadrilha que furtou mais de 40 celulares na última noite de festa. Outro ponto que ficou a cargo do Poder Público, ao invés da organização privada, foi a limpeza da área, que também ficou a cargo das equipes contratadas pelo município.
Para além dos camarotes, o cerceamento de acesso ao local começou entre vendedores ambulantes. Nos primeiros dias surgiram relatos no Facebook sobre pipoqueiros e outros trabalhadores, que geralmente se instalam no Largo da Catedral quando há eventos, que dessa vez não puderam entrar na festa e fazer um din-din, uma vez que a praça de alimentação e outros espaços para consumo já estavam estabelecidos pela organização.
Mas o cúmulo, pude ver com meus próprios olhos. Na segunda-feira, após assistir a shows de artistas e bandas de Botucatu no palco secundário, decidi tomar uma cervejinha, mas amigos já haviam me alertado de que comprar em algumas das barracas dentro do evento seria furada: 1 latinha (355ml) custava R$ 5,00, enquanto num depósito de bebidas, localizado a menos de 50 metros do evento, 1 latão (550ml) sairia por R$ 4,00. Não tive dúvidas e aproveitei passar lá ao pegar uma blusa no carro, ao chegar ao depósito encontro um amigo e sua namorada também comprando uma cerveja e contentes para ver as atrações e o show principal da noite. Azarado casal. Eles saíram um pouco antes de mim, e com meus dois latões, um em cada mão, pude observar que dois seguranças particulares foram atrás dos dois para impedir que ele entrasse consumindo uma bebida comprada fora do evento. Graças a essa distração descuidada dos vigilantes, que deixaram a entrada livre, pude passar e já dentro do evento assistir ao meu amigo sendo conduzido até a grade de entrada e aconselhado a ali terminar sua bebida para poder entrar… tsctsctsctsc…
Os fatos que cercam as comemorações de 160 anos de Botucatu suscitam diversos questionamentos e algumas conclusões. Grupos econômicos tem tirado proveito da atual administração desde seu inicio e a incompetência política e de gestão pública tem chegado a níveis de ‘rir pra não chorar’. Ainda em 2008, quando o herdeiro político da família Cury era apenas candidato, uma promessa do futuro Prefeito era estabelecer um novo local para comemorações, pois segundo ele mesmo era embaraçoso que eventos de tão grande porte ainda fossem realizados no Largo da Catedral e atrapalhassem a vida dos cidadãos, como acontece até hoje, 7 anos depois. O então futuro Prefeito João Cury esperava resolver o problema e contar com ajuda da iniciativa privada também. Nem um, nem outro. A iniciativa privada veio, mas só pra tirar proveito e expor suas marcas.
Botucatu é uma bela e próspera cidade, mas em termos de mudança e desenvolvimento temos pouco a comemorar, convenhamos. Há anos grandes obras públicas são profanadas e no campo da profanação permanecem. Em pouco mais de um ano e meio que resta à atual gestão será impossível realizar promessas de campanha que realmente trariam benefícios às pessoas que aqui vivem. Construir escolas e creches se mostrou algo complexo para o atual Poder Executivo, que se torna vítima de empresas incompetentes e aditamentos de contratos que apenas sangram as finanças públicas, viadutos de ligação entre bairros e regiões inteiras não saíram do papel, a quebra de monopólio do transporte coletivo veio e se mostrou ineficaz, terminais de ônibus aqui e ali não foram sequer planejados, a região central está cada vez mais entupida de veículos e esburacada, ciclovias só pra inglês ver, árvores tombam e áreas verdes como o parque municipal e a cascata da Marta estão abandonados.
Parabenizo Botucatu. Parabenizo teu povo e tua natureza. E espero que bons ares, boas escolas, boas políticas públicas voltem a soprar.