Segunda entrevista especial com professores grevistas do Estado de São Paulo
por Sérgio Viana
Dia 54.
Gislene Pires Gaion, 27 anos, é natural de Londrina, no Paraná. Ela reside a pouco mais de um ano em Botucatu, onde veio para trabalhar como professora de Sociologia, nos colégios Pedro Torres e Américo, junto à amiga Heloisa Passoni (que também entrevistamos, olha).
A professora, que já atua no ensino há quatro anos, na maioria das vezes é chamada apenas de Gi, pelos amigos, familiares e alunos. Ela começou a lecionar em sua cidade natal, onde deixou sua família, e, agora em Botucatu, está no segundo ano de estágio probatório, um período total de três anos em que os docentes da rede pública estadual não tem garantia de não serem exonerados ao final do processo.
Ela é a segunda personagem escolhida para relatar como é estar em greve pela Educação de São Paulo. Confira:
Notícias.Botucatu: Como foi o inicio da greve, há quase dois meses atrás o que se imaginava da mobilização e por que ela está acontecendo?
Gislene Gaion: O histórico de greves de professores da educação estadual em São Paulo ainda é tímido se comparado com alguns estados, sobretudo com o Paraná. No início do movimento atual, houveram muitas incertezas e preocupações como, corte de salários, falta de apoio da comunidade, da mídia, assédio moral por parte de colegas e da escola. De fato, todas essas preocupações são fundadas em fatos já vivenciados em outros momentos e repetidos de forma mais acentuada na greve atual. É uma greve marcada por ações autoritárias por parte do governo Geraldo Alckmin (PSDB). Desde o início o ele determinou a substituição de grevistas, com os chamados professores eventuais. Claro que,tal ação, significa reprimir o movimento e fazer com que a comunidade não sinta o peso do movimento e não nos apoiem. Já houve o corte de salários, tivemos o primeiro desconto agora em maio, a grande imprensa é parcial ao falar da nossa greve, parte da comunidade julga essa ação dizendo que isso só prejudica os estudantes, muitas escolas coagem os professores que escolhem essa luta. A adesão ao movimento, então, foi paulatina, mas se tornou maciça, não só na capital como em muitas cidades do interior. E isso aconteceu porque todos os que decidiram pela greve viram que não era mais possível negar e adiar a condição precária que vive o professor, o estudante, e todos ligados a educação básica.
N.B.: Entre as reivindicações dos professores está um reajuste salarial maior, reconhecimento de carreira e também a solução de problemas mais estruturais da Educação paulista. Quais pontos te motivam a estar dentro do movimento grevista? Para você qual é o ponto central de tudo o que está acontecendo?
Gislene: Salários desestimulantes, falta de professores e um número significativo de exonerações [demissões e não renovação de contratos] todos os anos. A reinvindicação por aumento é de em torno de 75%. Muitos se assustam ao ver esse número, mas porque ele escancara a realidade salarial do professor. Se aplicados, deixaríamos de ganhar 10 reais a hora aula para R$ 17,50; qualquer um sabe que esse valor ainda está abaixo se comparado com professores da educação básica particular, federal e até mesmo municipal. Além disso,poucos professores tem boas perspectivas na carreira. O estado não oferece um plano de carreira atrativo, não respeita o 1/3 de hora atividade previsto na lei 11.738/2008 acerca do Piso Salarial– hoje um professor em São Paulo que tem sua jornada completa, 40 horas, trabalha 32 em sala. Algumas escolas fecharam a oferta de ensino noturno, inclusive a minha, prejudicando o estudante que necessita trabalhar durante o dia, tornando salas mais superlotadas. A estrutura física é limitada para o aprendizado do aluno: não há laboratórios de ciências, sala de vídeo, e a arquitetura de algumas escolas se assemelham a de presídios. Ano passado o governo cortou verbas. Eu vivenciei falta de papel higiênico. Fato ainda existente em muitas escolas. Todos esses pontos não só motivam a adesão a greve como mostram a real necessidade da existência da mesma. O ponto central é um plano de governo fracassado que há décadas abandonou a educação e organiza diversas formas de desmobilizar a classe de professores.
N.B.: Você participou de diversas assembleias de greve promovidas pelo sindicato dos professores de São Paulo (Apeoesp), como você avalia a situação atual da greve?
Gislene: Os rumos de uma greve não são previstos e a sensação é de incerteza, sobretudo pela falta de posição e negação da nossa pauta por parte do governador Geraldo Alckmin (PSDB) e pelo seu Secretário de Educação, Herman Jacobus Voorwald.É claro que o esperado é um diálogo e acordo mais rápido possível, mas isso não aconteceu e ainda não sabemos quando acontecerá. O fato é que o governo insiste em negar essa greve, assim como negou outras e ainda dizer que nossa greve tem motivação política – claro que esse discurso dele que é carregado de motivação política. Entretanto, ninguém imaginava uma greve que atualmente está com 52 dias. Nenhum professor deseja estar longe de seus compromissos com a sociedade.
N.B.: O governador Geraldo Alckmin (PSDB) adotou a política da negação para enfraquecer o movimento dos professores paulistas e muitos colegas de categoria foram resistentes e realmente não aderiram ao movimento. Agora com o corte salarial, como você pensa em lidar com isso e continuar ou não em greve?
Gislene: O corte salarial já era previsto pela maioria, pois isso já ocorreu outras vezes em São Paulo. Os que entraram já sabiam da possibilidade disso acontecer, mas todos acreditavam que a justiça pudesse intervir e indeferir,mas não foi assim. Afinal de contas, cortar salário de grevista é atentar ao direito de greve e expropriar a possibilidade de subsistência pelo trabalho. Nem mesmo durante a ditadura essa medida era aplicada.Na greve de fevereiro no Paraná, os professores receberam normalmente seus salários.Mesmo assim aqui o corte provocou um impacto muito grande, levando muitos a buscar outra forma de renda para resistir e continuar no movimento. Eu mesma adotei a mesma estratégia e busco levantar dinheiro para ao menos minhas contas básicas e sim continuar na greve. Rumo à greve geral!
N.B.: Você acredita que os professores paulistas podem sair vitoriosos?
Gislene: Sim, acredito. Todos os recentes acontecimentos – o massacre de 29 de abril [clique], a existência de 10 Estados com a educação em greve – escancararam a realidade dos professores e da educação e vão visibilizar nossa greve tão ocultada pelos poderes políticos e midiáticos. Sabemos que não conseguiremos tudo e que pouco provável que as reinvindicações serão imediatas, mas temos mais apoio popular do que antes.
N.B.: As greves que acontecem em São Paulo e no seu Estado natal, o Paraná, tem suas convergências e divergências de contexto e demandas. Você acredita que de alguma forma um movimento pode fortalecer o outro? Há solidariedade entre eles?
Gislene: O fortalecimento já é um fato. E a solidariedade existe porque qualquer um consegue ver que a foi desproporcional a violência policial nos arredores da ALEP [Assembleia Legislativa do Paraná]. Além de provocar indignação pela violência física, ninguém nega a violência simbólica que sofremos diariamente.
N.B.: Quando a mobilização irá terminar?
Gislene: A greve não tem previsão de encerrar sobretudo porque se saíssemos agora seria com uma mão na frente e outra atrás. Não entramos para manter a situação e sim para mudar, ainda mais após o episódio de 29 de abril em Curitiba e com outros 9 estados paralisados. De qualquer maneira, toda semana é votado pela continuação ou não do movimento e a próxima assembleia será na sexta-feira. Mas, acredito que não será essa semana.