Ataques

Parece que campanha eleitoral no Brasil se transformou em terra de ninguém: todos podem, tudo vale, seja o que Deus quiser…

por Bahige Fadel*

O festival de vale tudo eleitoral já começou. Isso não foi surpresa para ninguém. Há anos que não vemos uma campanha eleitoral limpa, com debate de ideias e programas de governo. O que temos visto é um deixa-que-eu-chuto para ver se o que está na frente tropeça e cai. Bastou o cara se apresentar para ser pré-candidato a vereador de um município chinfrim do vale do abutre, que vem bordoada na cabeça dele. É um deus-me-livre total. Parece que campanha eleitoral no Brasil se transformou em terra de ninguém: todos podem, tudo vale, seja o que Deus quiser e, mesmo que ele não queira, vamos lá, que o caminho é livre. Então, caminha quem quer, quando quer, do jeito que quer. Mesmo que para isso tenha que dar uma trombada em alguém, para tirá-lo da pista.

E essa história, caro (e)leitor, vale para todo mundo. O pequeno vira macho, o mudo vira falante, o covarde vira valentão, o não-sei-nada vira sei-tudo, o adversário vira inimigo, o companheiro vira adversário, o arrogante vira humilde, o rico vira pobre, o pobre vira rico, quem era deus vira o senhor diabo, quem era diabo vira o todo poderoso. Briga de cego pelas cadeiras disponíveis no poder. Todos agora são os bons: os ruins são os outros. Todos agora são honestos, os desonestos são os outros. Todos agora são competentes, os incompetentes são os outros. Todos agora são do povo e pelo povo, os contra o povo são os outros. E ninguém precisa provar coisa alguma. Não há o que provar, é só falar, e tudo bem, obrigado. Depois da eleição, a gente fala que se enganou, pede desculpas ou jura por Deus que não foi bem aquilo que disse, que foi mal compreendido.Difícil explicar por que alguém entra nessa. Vício? Pode ser. Vocação? Pode ser. Ousadia? Pode ser. Espírito público? Quem sabe? Vontade de

se locupletar? Para muitos, com certeza. Desejo de aparecer? Quem dirá que não? Vontade de conseguir uma boquinha? E quem não quer? Falta de opção? Será? Vingança? Sabe que eu não tinha pensado nisso? Ficar importante? É. O certo é que um montão de gente entra nessa de participar de eleições. Conheço gente que ganha dinheiro com isso. Ninguém é de ferro, né? Conheço gente que tem sonhos de transformar o mundo. O mundo precisa de sonhadores. Conheço gente que vira candidato porque está acostumado. Dá para entender? Conheço gente que quer subir na vida. Subir na vida com a política? Vá fazer um concurso, cara! Conheço gente que entra na política para puxar o saco de alguém. Está assim, ó. Conheço gente que entra na política, como alguém que entra na avenida para sambar, no carnaval.

Por que um cara entra na política é difícil especificar. Depois não consegue sair. Gosta de participar dessa guerra. Percebe que estão falando de uma amante que teve muitos anos atrás. Esbraveja. Salta cambalhota. Diz o diabo. Quem é que tem a ver alguma coisa com a minha vida particular? Mas continua na festa, digo, na política. O cara não quer largar a corda. Chamam o cara de ladrão, bandido, corno, cunhado de lúcifer, duas caras, três caras, quatro caras… Ele esbraveja alguns instantes. Mas continua. Coloca-se como Cristo sacrificando-se pela humanidade. E nessa briga de foice, há religiosos e ateus. Os religiosos dizem que são religiosos e os ateus não perdem uma oportunidade de ir à missa. E nessa briga, há ricos e pobres. Os ricos escondendo que são ricos e os pobres se orgulhando da pobreza, como se fosse um troféu. E nessa briga, há culpados e inocentes. Os culpados jurando que são inocentes e os inocentes, bem, a gente torce para que nunca se transformem em culpados.

Enfim, está iniciada a caça às bruxas. Caro (e)leitor, não acredite em tudo que vê e ouve. Nesse espetáculo, há muitos artistas. Uns convencem, outros não. Uns atacam, outros são atacados. Que a gente não seja apenas plateia. Que a gente seja  juiz num momento e fiscal em outro.

* Bahige Fadel é professor do Colégio La Salle, ex-dirigente e ex-supervisor regional de Ensino. É membro da Academia Botucatuense de Letras.

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