João Marcos: “torcerei para o Brasil estar na Copa, mas não vejo um futuro brilhante para a seleção”
Ex-goleiro do Palmeiras e da seleção brasileira tem biografia lançada e fala sobre pontos da carreira e o futebol atual
por Flávio Fogueral
João Marcos Coelho da Silva é um dos muitos nomes de Botucatu que despontaram para o futebol. Viveu todo o sabor e dissabor de estar em evidência e defender equipes consideradas grandes. Foi, ao lado de Zé Maria, um dos poucos jogadores da região que tiveram o ápice ao vestir a camisa da seleção brasileira. Sua história, agora, é eternizada em livro.
Foi em Botucatu, sua terra natal, que o atleta teve seus primeiros contatos com o futebol. Após atuar pelo juvenil da Associação Atlética Botucatuense (AAB), transferiu-se ao Guarani, de Campinas. Foi o bugre quem o lançou ao futebol profissional. Suas atuações chamaram a atenção de clubes como o Noroeste, de Bauru, e posteriormente, chegaria a defender as camisas do Palmeiras- onde foi campeão do Torneio Seletivo Taça de Prata de 1981-; e finalmente o Grêmio, onde sagrou-se bicampeão gaúcho em 1985 e 1986.
O desempenho dentro de campo, além de defesas decisivas, levou João Marcos à consagração. Sete meses após ser bancado pelo técnico Rubens Minelli como titular da meta palmeirense, veio a primeira convocação para representar a seleção brasileira. Telê Santana, que comandara Pela seleção brasileira, acumulou convocações durante três anos seguidos. Atuou em uma única partida. Foi na vitória do Brasil diante do Uruguai por 1 a 0, em 1984.
O destino para muitos jogadores pode ser cruel. E se materializam, como enredos de novelas, com um fator crucial: lesões. Foi justamente uma grave lesão no ombro que fez João Marcos antecipar a aposentadoria, em 1986, aos 33 anos. Não seria mais possível atuar com a mesma eficiência embaixo das traves.
Nos anos seguintes, passou por problemas pessoais. Revelou, em 2010, durante o programa Terceiro Tempo, comando pelo jornalista Milton Neves, que sofreu com a dependência do álcool. Batalhou novamente para livrar-se do vício.
Atualmente o ex-goleiro vive em Botucatu. Está de volta às origens. Mantém o Projeto Gol Solidário, que atende a centenas de crianças, que têm a oportunidade de aprender por meio do futebol. O ex-goleiro também é olheiro do Palmeiras em cidades da região.
No final de abril, o livro “A maior de todas as defesas – a história de vida do ex-goleiro João Marcos dentro e fora do futebol”, de autoria do jornalista Erick Facioli, foi lançado e traz toda a trajetória de conquistas e lutas do ex-goleiro. Durante o lançamento da obra, João Marcos conversou com o Notícias.Botucatu e relembrou momentos sobre a carreira, futebol atual e o temor da seleção brasileira não se classificar para a Copa de 2018.
Notícias Botucatu- Qual o sentimento de ter neste momento a sua história retratada?
João Marcos- Toda minha história teve início na AAB. Comecei aqui e logo depois fui para o Guarani e hoje vejo uma parte da minha história sendo contada e isso me deixa satisfeito. o intuito não é falar somente sobre o futebol. É contar sobre a carreira, para que as pessoas saibam como é a vida de um atleta dentro de um clube e as dificuldades que se tem. O atleta possui uma família como qualquer um, além de problemas na família, o atleta é julgado a cada quatro dias por 60, 70 mil pessoas não é fácil.
NB- Muito se glamuriza a figura do jogador de futebol, com propostas e contratos milionários. Em sua época nos gramados (anos 1980), essa era uma realidade que também ocorria?
JM- O jogador era mais visto. A busca pelo dinheiro era comum pois todo mundo queria ganhar bem, só que não era como agora que é uma disputa entre empresários, onde cada um tenta vender jogadores que nem sempre servem aos times, às vezes. Isso é algo que acho muito triste para o futebol. Enquanto nós (Brasil) éramos os “reis do futebol”, e obrigava os americanos a correr atrás da gente, era um estilo o nosso futebol. Quando apareceu, não sei qual técnico e quis fazer do estilo brasileiro um estilo europeu, de velocidade mas sem criatividade, acabou com nosso futebol e deixamos de ser os primeiros.
Estamos, hoje, atrás de muitas seleções. Isso durará até dar consciência em alguém para que tenhamos nosso meia esquerdo, jogadas que faziam com que tanto o atleta quanto a torcida vibrassem. Isso é algo que sinto saudades e acredito que irá voltar. Ou então nosso futebol irá decair cada vez mais.
NB- Com certeza já leu sua biografia que é lançada agora aos torcedores. Qual das histórias contadas pelas páginas do livro que você lembra com maior carinho?
JM- Há muitas histórias que chegam a marcar. Toda semana se tinha um jogo diferente. Fui um jogador que jamais joguei para a torcida, nem olhava para a arquibancada. Queria saber do campo e dos meus jogadores como estavam. Mas tive muitos momentos fantásticos. Um que foi crucial para minha carreira foi quando o (Rubens) Minelli assumiu o Palmeiras e teve a força de falar: “Não, o titular é o João Marcos”. Desbancou tudo aquilo que estava no time e me deixou mostrar tudo que poderia atuar. Não deu nem sete meses desse fato e fui convocado para a seleção brasileira, onde permaneci por mais três anos.
NB- Por falar em Palmeiras, a equipe apresenta em 2016 uma campanha irregular, onde acumula até agora uma desclassificação na primeira fase da Libertadores da América, ao mesmo tempo que disputa as semifinais do Campeonato Paulista. Essa instabilidade reflete o momento atual do futebol brasileiro?
JM- Acho que sim. Hoje é muito difícil jogar no Palmeiras. Onde existe um time dito profissional com 34 jogadores, buscando a camisa de titular? Cada um tem um empresário, um diretor que levou e quer aparecer. Dentro do clube é uma guerra, tira a paz do jogador entrar em campo e colaborar com o time. Ele está mais preocupado em não sair do que em jogar. Isso prejudica demais o futebol.
NB- Passados dois anos do “trauma dos 7 a 1”, a seleção brasileira ainda não apresenta um futebol consistente e tem campanha mediana nas Eliminatórias. É possível o Brasil não se classificar para a Copa de 2018?
JM- É um processo longo, essa recuperação do futebol brasileiro. Para falar a verdade, torcerei para o Brasil estar na Copa, mas não vejo um futuro brilhante para a seleção. Não vejo uma pessoa com autoridade de imbuir na cabeça dos jogadores que eles são os melhores. Vem jogadores da Europa pra seleção que nunca se viu jogar em times daqui. É muito difícil para o técnico quanto para a equipe.