O final dos anos 70 ainda carregava um pouco das ideologias do famoso movimento de contracultura
por Nelson Letras
No ano de 1979, um recente estilo musical foi consagrado – a ópera rock – com o fruto do pensamento e da arte de uma banda inglesa chamada Pink Floyd. O álbum “The Wall”, considerado um dos melhores da história, é uma obra filosófica que trabalha temas como condicionamento, solidão, falha de comunicação e autocracia. Estes são abordados, principalmente, pela metáfora de um muro construído entre um artista de rock e sua relação com o mundo da fama. Até as rádios AM (amplitude modulada) tiveram, no topo de suas paradas, a faixa do LP “Another brick in the wall (part 2)”.
O final dos anos 70 ainda carregava um pouco das ideologias do famoso movimento de contracultura, o movimento hippie, o qual queria mostrar que vivemos sob regras, normas que são apenas pontos de vista, e não únicas verdades a serem seguidas. A principal música do álbum era uma obra de profundo valor filosófico e artístico cujo objetivo essencial era criticar o modelo educacional autoritário, que visa impedir o ser humano de refletir, de transformar o mundo; visa criar uma sociedade obediente àqueles que estão no poder. Os principais versos da canção diziam “Nós não precisamos de nenhuma lavagem cerebral/ Professores, deixem as crianças em paz/ Em suma, você é apenas mais um tijolo no muro”. O videoclipe produzido para a música alerta o espectador com cenas como a de crianças sem face sendo conduzidas, como soldados em marcha, a uma grande máquina que as transforma em carne moída.
O alerta feito na canção do músico Roger Waters, baixista e vocalista do Pink Floyd, parece ter sido ouvido, mais recentemente, por alunos do Ensino Médio das escolas públicas do estado de São Paulo, de Goiás e do Rio de Janeiro. Meninas e meninos paulistas ocuparam suas escolas em protesto contra a reorganização escolar (projeto que seria imposto pelo governo de Geraldo Alckmin, fechando salas de aula e escolas do Ensino Médio); já os jovens goianos protestam, principalmente, contra a privatização de suas unidades de ensino; e os cariocas reivindicam melhorias enquanto apoiam a greve dos professores. Esses jovens brasileiros gritaram “nós não somos apenas um tijolo no muro, nós somos seres humanos, não aceitamos que fechem nossas escolas, não aceitamos que tirem de nós o que é nosso, que nos imponham um ensino condicionante, um ensino que nos transforme em carne moída para servir de alimento àqueles que estão no poder”. Os incipientes revolucionários ocuparam suas escolas e criaram uma forma de organização diferente daquela imposta pelo governo (no ensino público) ou pelo mercado (no ensino privado).
Eles fizeram uma “reorganização escolar” diferente daquela contra a qual lutavam, passaram a fazer a limpeza do prédio, a cozinhar o próprio alimento, a se organizar de uma maneira que é um tapa na cara do modelo escolar a que são submetidos diariamente. E eles não estavam (estão) sozinhos; muitos artistas, intelectuais, profissionais das mais variadas áreas aderiram ao movimento e levaram para sala de aula seus conhecimentos. Dessa maneira essas escolas passaram a ter uma pedagogia de participação e nos fizeram refletir melhor sobre qual é a função da escola: trabalhar conteúdos que sirvam como filtro para separar aqueles que farão boas faculdades, refiro-me ao vestibular; ou trabalhar conteúdos que abram a mente das crianças, que lhes mostrem o refletir, a importância de assumir um papel na sociedade para o conjunto dela, para a boa construção coletiva.
Assim como, na Idade Média, o Senhor Feudal tinha o domínio, o poder incondicional de seu feudo, o governador do estado de São Paulo mandou seus fortes soldados desocuparem à força algumas escolas, e eliminarem as manifestações que ocorriam contra a reorganização escolar. Na Idade média, os camponeses se submetiam à ordem do dono do feudo e de seus cavaleiros/soldados. Caso essa população pagadora de impostos, de tributos, não aceitasse alguma decisão vinda do castelo, os braços fortes e armados do poder entravam em ação. Séculos se passaram, mas vemos que o mesmo continua ocorrendo. Todavia, dessa vez, o Senhor Feudal perdeu – alguns tijolos do muro do castelo de cartas marcadas foram derrubados -. Embora as agressões tenham acontecido, pois professores e alunos sentiram o peso das mãos fardadas que seguiam ordens superiores; a reorganização escolar foi adiada.
Mas os donos dos castelos ainda estão no controle, eles não querem que os camponeses se organizem e lutem por mudanças, lutem por igualdade, por justiça, por liberdade. Eles continuam implantando um sistema que cria jovens os quais não competirão com seus filhos pela vaga na universidade, eles continuam implantando um sistema que não permita às crianças refletirem, que as transforme em marginais, e, muitas, em criminosos para superlotar as cadeias que são não apenas uma forma a mais de se obter dinheiro, mas são também poder, pois estas são o grande símbolo ideológico de que aqueles que não seguem o sistema são punidos pela “justiça”, para o bem da sociedade de “bem”, das pessoas do “bem”.
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