A crônica de um golpe

Anastasia, que praticou muito mais “pedaladas” no governo de Minas que as de Dilma, comanda o processo no Senado

por Valdemar Pereira de Pinho*

Em abril de 2012 a Presidenta Dilma usou os bancos estatais para forçar a queda dos juros e taxas bancárias. Em outubro o BC reduziu a taxa Selic para 7,25% ao ano, a menor da série histórica, iniciada 26 anos antes. Isso irritou profundamente o capital financeiro, rentistas e especuladores. Para estimular o crescimento da economia, Dilma aplicou uma série de políticas reivindicadas pelo empresariado e centrais sindicais de trabalhadores, como redução de impostos na produção.

Isso resultou em uma queda de arrecadação na casa dos trilhões de reais impactando nas contas públicas, mas nem assim obteve apoio do “mercado”, que a acusava de “intervencionista”, e não houve investimento privado. Pra “piorar”, Dilma seguiu com a política de inclusão social dos governos Lula, atraindo ódios de parcela significativa da sociedade.

Valdemar Pereira de Pinho é professor aposentado da Unesp e membro do Partido dos Trabalhadores, em Botucatu.

Valdemar Pereira de Pinho é professor aposentado da Unesp e membro do Partido dos Trabalhadores, em Botucatu.

Para o “mercado” o Estado deve ter uma estrutura mínima, não intervir na economia [a não ser para garantir a reprodução da riqueza dos que têm (muito) capital] e o investimento em políticas sociais deve ser o mínimo possível, concepção oposta à dos “governos petistas”. Para mudar isto apostaram no fim do ciclo do PT nas eleições de 2014. Uma campanha midiática para tentar desmoralizar Dilma entrou em ação. A imprensa partidária, pertencente a poucas famílias, incrementou a “agenda negativa”.

Apesar de tudo isso, Dilma ganhou as eleições, para desespero da oposição. No final do dia das eleições Aécio pedia recontagem de votos e vários políticos da oposição opinavam que Dilma não acabaria seu mandato. A imensa maioria dos congressistas eleitos era vinculada a grupos econômicos que financiaram sua eleição. O governo não conseguiria maioria no congresso, embora teoricamente tivesse apoio formal da maioria dos partidos. Na verdade, o processo do golpe começou no dia da posse.

Dilma procurou vencer a resistência no Congresso, e conseguir o apoio do “mercado” que o controlava, e cometeu um grande erro ao nomear um representante do capital financeiro para comandar a economia. Não conseguiu e passou a ser chantageada para ceder cada vez mais cargos e vantagens para deputados. Cid Gomes, então ministro da Educação, disse (e repetiu perante a Câmara que o intimou a confirmar) que o Congresso tinha 400 ou 300 achacadores. Surgiu o escândalo dos superfaturamentos e desvios da Petrobrás. O governo manteve a investigação autônoma da PF e não interferiu no Ministério Público e no Judiciário, postura que vinha desde os governos Lula. Mas, parte das instituições envolvidas nas investigações passou a vazar seletivamente, e em sintonia com ações políticas da oposição, informações que sugeriam envolvimento de pessoas ligadas ao governo e ao PT. Os meios de comunicação selecionados para receber os factóides, Rede Globo e Veja à frente, fizeram vários shows midiáticos.

Embora Dilma não seja acusada de nenhuma corrupção, a imagem que ficou na cabeça das pessoas desinformadas é que ela praticou corrupção. O “mercado” boicotou o crescimento através de mecanismos muito complexos para expor aqui. O Congresso passou a aprovar “pautas bomba” enquanto se recusava a aprovar as propostas do governo. Resultados de tudo isso: crise econômica e queda da popularidade da Presidenta. Estava pronto o cenário para o golpe. Restava achar uma justificativa que pudesse dar ar de legalidade à empreitada.

O TCU rejeitou as contas da Presidenta por “pedaladas fiscais”, prática adotada pelos governos anteriores e aprovadas pelo mesmo TCU. O processo dá entrada na Câmara e Eduardo Cunha o usa para chantagear o governo para sepultar seu processo por corrupção na Comissão de Ética. Como o governo lhe negou os votos, o processo seguiu, sempre em sintonia com vazamentos seletivos e ações espetaculares de setores da PF, do Judiciário e do Ministério Público. Eduardo Cunha era denunciado ao STF com pedido de afastamento desde agosto de 2015, o que só ocorreu agora, após ter “cumprido seu papel”.

Às vésperas de ser nomeado para a Casa Civil do governo e tentar recompor a base aliada na Câmara, Lula foi conduzido coercitivamente para depor e teve escutas vazadas por decisão do juiz Moro, ações ilegais devidamente articuladas com a “imprensa” de sempre. A liminar de Gilmar Mendes que impede sua posse não foi julgada pelo Supremo até hoje. Agora, às vésperas da votação no Senado, mais um vazamento seletivo de denúncia vagas sobre Lula e Dilma, vindas de um senador preso por 84 dias e só liberado após decidir fazer delação premiada. Para mais um circo midiático daquela “imprensa”… Anastasia, que praticou muito mais “pedaladas” no governo de Minas que as de Dilma, comanda o processo no Senado…

Mas, tudo isso não faz parte do roteiro???

* Valdemar Pereira de Pinho é médico, professor universitário e membro do Partido dos Trabalhadores de Botucatu.

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