Enquanto escolas estiverem sendo fechadas ou transformadas em centros de criminalidade, haverá mais furtos, roubos, agressões, estupros, assassinatos
por Nelson Letras*
Na segunda metade do século XIX, o psiquiatra antropólogo italiano Cesare Lombroso desenvolveu a teoria da antropologia criminal, cuja tese afirmava que o crime é algo hereditário, que a estrutura física e também comportamentos psicológicos demonstram e são responsáveis pelos atos criminosos do ser. Assim seria possível prender o criminoso antes mesmo que o crime acontecesse. Muitos passaram a defender o pensamento do médico italiano, até mesmo utilizando-o na sociedade, como, por exemplo, na identificação de um criminoso pela cor de sua pele. Não é nem um pouco difícil de concluir qual seria, segundo a antropologia criminal, o biótipo e estereótipo humano perfeitos, superiores, e o biótipo e estereótipo criminosos, inferiores. Essas ideias continuam presentes em muitos indivíduos de nossa sociedade e, muitas vezes, presentes sem que o indivíduo perceba que as possui.
Não é possível afirmar se aqueles que praticam crimes nasceram essencialmente criminosos, ou se foram adquirindo tendências criminais por influência do meio em que vivem. Todavia é verdadeira a afirmação de que, caso muitos dos que são criminosos houvessem nascido em outro meio, que não lhes levasse à prática do crime, o número daqueles que se tornariam criminosos seria menor; assim como alguns não-criminosos, caso houvessem nascido em um meio que lhes levasse à criminalidade, tornar-se-iam praticantes de transgressões às Leis.
A conclusão a que chegamos é a de que a sociedade precisa minimizar ao máximo a criação de ambientes que possibilitem o surgimento de atos criminosos. Mas observamos que muitos de nossos governantes parecem ainda ser adeptos ao pensamento da antropologia criminal, procurando não criar ambientes que eduquem para uma relação ética, mas sim ambientes que excluam a sociedade criada no ambiente do crime.
Escolas são fechadas e cadeias são abertas! Aqueles responsáveis pelo surgimento de criminosos não seriam tão ou mais criminosos? O fato é que crime consiste na transgressão da Lei, entretanto nem sempre transgredir a Lei é algo injusto, e, muitas vezes, seguir a Lei é algo injusto, pois esta não é perfeita. Isso ocorre porque a Lei é uma maneira de controle social imposta não por um espírito de virtude, e sim por aqueles que estão no poder e as elaboram. Há exemplos hediondos em nossa história como a escravidão ou o extermínio de judeus, negros, homossexuais na Segunda Guerra Mundial.
É obvio que criminosos devem ser separados da sociedade a fim de que esta não seja prejudicada por seus atos. Mas também é obvio que os ambientes que possibilitam o aparecimento do crime precisam ser transformados em ambientes que formem cidadãos éticos, que respeitem o outro. E, partindo do pressuposto de que o indivíduo não-criminoso respeita as Leis pelo fato de ter sido educado para esse respeito – mas, se estivesse num ambiente oposto as desrespeitaria – concluímos que até mesmo nós poderíamos estar em uma cadeia, uma vez que poderíamos não ser os mesmos que somos. Dessa maneira, a ação mais virtuosa a ser tomada com aqueles que transgridem a Lei, seria a de separá-los da sociedade, porém em um local que tentasse os adequar à ética e os reinserir no meio social.
Refletir sobre a realidade que nos cerca é mister para a justiça social. Enquanto escolas estiverem sendo fechadas ou transformadas em centros de criminalidade, haverá mais furtos, roubos, agressões, estupros, assassinatos… e ignorância social – a não-percepção de que os mandantes da Lei estão impondo seus pensamentos como verdadeiros, perfeitos, e de que estes são assim aceitos pela sociedade. A mobilização social pode proibir essa política da nova antropologia criminal que vai além de biótipos e comportamentos psicológicos, diretamente relacionada às classes sociais (a superlotação dos presídios não é de indivíduos de classe alta…); ela pode mudar a prática do fechar escolas e abrir cadeias para abrir centros educacionais e, consequentemente, fechar prisões. Esta revolução educacional, daqui a algumas décadas, terá as atuais cadeias como ferramenta de estudo histórico, como museus que mostrarão às futuras gerações a barbárie que houve durante décadas no país. Que isso não seja apenas um sonho…
* Contato: www.facebook.com/nelson.letras