Waldir Maranhão e o perfeito funcionamento das instituições brasileiras
Enfim, temos um Governo que chega a seu ocaso por ter se revelado incapaz de governar
por Murilo Gaspardo*

A anulação das sessões nas quais foi autorizada a abertura de processo de impeachment contra a Presidente Dilma Rousseff determinada pelo Presidente interino da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), rapidamente teve sua inconsistência jurídica e fragilidade política demonstradas: não foi conhecida pelo Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros, que determinou o prosseguimento do procedimento; e foi revogada pelo próprio Deputado menos de 24 horas após sua edição.
A ilegalidade do ato é patente e dispensa maiores argumentações: foge de toda a lógica jurídica o exercício do controle monocrático de legalidade pelo presidente da Câmara dos Deputados em face de decisão tomada por maioria qualificada do Plenário. Se cabe algum recurso contra a autorização da abertura do processo de impeachment pela Câmara, a instância competente para processá-lo seria o STF.
A definição de tal decisão como absurda, tal como tem sido propagado, depende, todavia, do critério por meio da qual ela for avaliada: se considerarmos os princípios democráticos e do Estado de Direito, certamente o adjetivo é adequado. Porém, se a referência for o padrão decisório vigente no sistema político brasileiro, parece-nos que é perfeitamente harmônica. A decisão do Deputado Waldir Maranhão, entretanto, tem um mérito: pode contribuir com a desconstrução da ideia dominante no senso comum segundo a qual as instituições jurídico-políticas brasileiras encontram-se em perfeito funcionamento.
As funções primordiais do direito são racionalizar a mediação dos conflitos sociais, estabilizar expectativas e realizar o valor da justiça. É preciso muito formalismo e desprezo pela substância dos atos e dos fatos para concluir que tais funções estão sendo cumpridas. Não faltam exemplos para ilustrar como as instituições não estão funcionando a contento e como, de uma perspectiva substancial, o Estado de Direito encontra-se parcialmente suspenso: podemos começar pelas repetições de votações promovidas pelo Deputado Eduardo Cunha até que ele obtivesse o resultado que desejava, passar pela inércia da Câmara no processamento de sua cassação até chegar à decisão do STF de suspender seu mandato – a qual, embora politicamente desejável, funda-se em considerável criatividade jurídica. Não se pode esquecer, também, que tanto Eduardo Cunha como Waldir Maranhão foram eleitos para seus cargos na Mesa Diretora da Câmara pela ampla maioria de seus pares. A fragilidade da fundamentação jurídica e da legitimidade democrática do próprio processo de impeachment – tema abordado em outros artigos – é outro fato fundamental.
Enfim, temos um Governo que chega a seu ocaso por ter se revelado incapaz de governar (e outro que se inicia liderado por quem, embora do primeiro fizesse parte, atuou diretamente na articulação de sua derrubada); um Congresso Nacional repleto de figuras que, sob o discurso da moralidade, da defesa da legalidade e da responsabilidade fiscal, têm práticas das mais imorais e antirrepublicanas, torcem a legalidade conforme as conveniências e deu inestimável contribuição para a irresponsabilidade fiscal (veja-se as denominadas “pautas-bomba”); e o Judiciário apresenta tendência crescente a buscar legitimidade na opinião pública e não na racionalidade jurídica. Em um cenário como este, o fato de não estarmos diante de uma intervenção militar e de os procedimentos serem razoavelmente respeitados autoriza a conclusão de que as instituições brasileiras estão em perfeito funcionamento?
* Murilo Gaspardo é professor de Teoria do Estado da Unesp de Franca.