Hoje o trabalho de Nise é para nós, trabalhadores da Saúde Mental e militantes Luta Antimanicomial, uma grande inspiração
Bruno Araújo e Deborah Mendes
Em meio a semana da luta antimanicomial, está em exibição nos cinemas o filme Nise — O Coração da Loucura. Com grande atuação de Gloria Pires e direção de Roberto Berliner, mostra o florescimento de artistas em um lugar improvável até então: um manicômio. Nise da Silveira (1905 – 1999) deu liberdade aos pacientes, revolucionou a psiquiatria no Brasil, levou seu trabalho para o mundo inteiro, trocou impressões com Carl Jung e combateu o machismo num meio dominado por homens na década de 1940. “Meu instrumento é o pincel, o seu é o picador de gelo! ”, foi com essas palavras que a psiquiatra iniciou um processo de transformação do Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II (mais conhecido como Engenho de Dentro) no Rio de Janeiro, ao opor-se às formas de tratamento em saúde mental vigentes na sua época: a lobotomia e o eletrochoque.
Nise, por se recusar a aplicar eletrochoque nos seus pacientes, foi transferida em 1946 para a Seção de Terapêutica Ocupacional, onde começou a desenvolver um trabalho revolucionário com os pacientes, os quais ela preferia chamar de “clientes”, por meio da criação de um ateliê de pintura e modelagem. Naquele espaço, todos eram convidados a desenhar, pintar e esculpir de forma livre, para que por meio da arte se pudesse ter acesso aos conteúdos psíquicos que provocavam o adoecimento e com isso construir uma via simbólica para lidar com a realidade. Esse processo é retratado de forma muito sensível e emocionante no filme “Nise: O Coração da Loucura” que está em cartaz nos cinemas.
O trabalho de Nise revolucionou a psiquiatria da época e se expandiu de tal forma que em 1952 ela criou o Museu de Imagens do Inconsciente, abrigando as obras dos artistas que frequentavam os ateliês. Atualmente esse Museu possuiu um acervo de mais de 50 mil obras.
Hoje o trabalho de Nise é para nós, trabalhadores da Saúde Mental e militantes Luta Antimanicomial, uma grande inspiração; pois, somos gente que não acredita em tratamento pela via da violência ou da segregação! Somos gente que acredita que o afeto, o acolhimento, o tratamento do outro como ser humano e a arte são capazes de transformar contextos que produzem o sofrimento e adoecimento. Dessa forma, resistimos todos os dias às atrocidades do modelo manicomial ainda vigente em nosso país.
Em tempo: os trabalhadores, usuários e familiares da Saúde Mental convidam toda comunidade botucatuense a participar da Semana da Luta Antimanicomial, em especial nesta sexta-feira (20) onde o “Bloco Samba Para Todos”, composto por todos aqueles que acreditam e lutam pela Saúde Mental, irá desfilar na Avenida Amando de Barros às 10h. Nesse dia, seguindo o exemplo de Nise, faremos da música, do batuque e do samba o nosso instrumento de trabalho e seguiremos cantando: “Somos diferentes e quem não é? Queremos liberdade como todo mundo quer! ”.
* Bruno Araújo e Deborah Mendes são psicólogos, trabalhadores da Saúde Mental, membros do Fórum Permanente Intersetorial de Saúde Mental de Botucatu (FPISM) e do Movimento da Luta Antimanicomial de Botucatu.