Quem matou Kennedy foi quem manda na pipoca; segundo texto da série
por Chico Villela
John Kennedy tentou mandar, mas não conseguiu, nem na política com relação a Cuba, nem na amante Marilyn Monroe, uma de suas inúmeras namoradas – a moça também transava com o irmão, Bob Kennedy, e acabou suicidando (cogita-se) pelo impasse em que se meteu. Não mandou nem na sua mulher, que, de vingança, corneou o ilustre presidente com uma figura odiada pelos poderosos do império: o trilionário armador grego Aristóteles Onassis, que acabou casando com a viúva.
John levou um tiro na cabeça, em Dallas, Texas, reduto da extrema-direita, dado por não se sabe quem, e o acusado, tal de Lee Harvey Oswald, horas depois foi assassinado enquanto estava nos braços da polícia, evidentemente para não abrir o bico e atrapalhar o andar da carruagem. Na noite após o enterro de John, a viúva recebeu uma visita para jantar na Casa Branca: ele mesmo, Onassis. O jogo não é leve.
Estado Profundo – Quem matou Kennedy foi quem manda na pipoca. Os mandantes são conhecidos como ‘DeepState’, em brasileiro ‘Estado Profundo’, EP. O presidente havia afastado o chefe da CIA, Allen Dulles, e o chefe militar supremo, general Lemnitzer. Além disso, havia brecado a terrível ‘Operação Northwoods’, que pretendia realizar ataques terroristas nos EUA, com muitos mortos estadunidenses, culpar Cuba pelos ataques e invadir a ilha para depor Fidel. A invasão anterior, na Baía dos Porcos, armada pela CIA com mercenários, havia sido derrotada ainda na praia. Kennedy desagradou os reais governantes do país, o Estado Profundo, que vivia em estado de histeria anticomunista e não via Kennedy com olhos lenientes.
Consta que a origem do termo se acha na Turquia, país-sede do império otomano que foi trazido ao século XX, após a I Grande Guerra (I porque os europeus julgam serem o centro da história humana…) pelo militar estadista Mustafá Kemal, chamado Ataturk, ‘pai dos turcos’. Kemal secularizou o país, o que dividiu sem remédio as forças muçulmanas, de um lado, e as seculares, de outro, impasse que até hoje persiste. Mas a plena consolidação do conceito deu-se- após a II Grande Guerra, 1939-1945, na sede do império.
O que precipitou a estruturação do EP estadunidense foi a bomba nuclear da União Soviética, explodida em 1949. O comando da arquitetura da bomba soviética foi do carniceiro Lavrenti Beria, a mando de Stalin, que não precisava do EP, e leera o Estado Profundo soviético. E Beria era um dos seus braços assassinos.
O ex-presidente general Dwight Eisenhower, comandante das forças militares dos EUA na II GG, em discurso de fim de governo, já em 1953, denunciou e alertou sobre a influência nefasta do que chamou “complexo industrial-militar”, que se sobrepunha ao governo. Hoje, teria dito “complexo industrial-militar-financeiro”. Alguns acrescentam “midiático” ao rótulo. Os chifres do EP despontam por aí.
Quem vai ao samba – As origens do Estado Profundo nos EUA foram resposta à questão que, a partir de então, situava o agravamento do “perigo comunista” como o principal alvo das medidas militares e políticas: se houver um ataque nuclear da URSS, a ‘elite governante’ vai precisar se proteger. Muitos bunkers foram construídos e equipados com meios de sobrevivência e comunicação. O termo bunker, da língua alemã, significa fortaleza protegida, em geral subterrânea. Hitler ao final da guerra suicidou num bunker em Berlim. O governo dos EUA acompanhou os primeiros momentos, após os ataques de 2001, de dentro do bunker situado embaixo da Casa Branca.
Mas o nó da coisa não era apenas este; era a inquietante resposta à indagação sobre quem vai aos bunkers, ou seja, quais grupos ganham a batalha pelo poder real. Em suma, quem vai compor o grupo especial que, aos poucos, evoluiu para o atual EP, abissal, secretíssimo, repleto de legislações encobertas, a exemplo da disposição secreta chamada ‘Continuidade de Governo, CoG’. No Brasil, seria saber quem vai ao camarote do samba. Quem vai mandar numa situação de emergência. A CoG prevê estado de sítio, suspensão dos direitos constitucionais, interrupção do funcionamento da Justiça e do Congresso, detenção de dissidentes nos mais de 600 campos de concentração já construídos, entre outras amenidades.
Certamente serão descartados os poderes tradicionais, o trio Executivo-Legislativo-Judiciário, os governos setoriais etc. As decisões fogem das mãos desses poderes e se concentram em pessoas não eleitas e organizações, muitas delas militares. Tal qual a União Européia atual: quem manda é a Otan, poodle militar de luxo do império, e negocistas, lobistas, banqueiros, burocratas e afins. O Parlamento Europeu é um penduricalho inútil; o povo pensa que decide com seu voto, e os seus representantes não mandam nem mesmo no ritual do cafezinho.
Dois exemplos – A medida do poder mais recente do EP transparece nas ações de dois dos seus mais notórios membros permanentes, Dick Cheney, vice de Bush, e Donald Rumsfeld, secretário de Defesa. O ex-presidente Bush pai, que foi chefe da CIA antes de ser eleito, e é pai do Bush filhote sobre cujo governo Cheney e Rumsfeld mandaram e desmandaram, afirmou em recente livro de memórias que a dupla dominou e atrapalhou o governo de oito anos de Bushinho. Para o papai, o filhote era angelical, e foi traído pelos perversos assessores.
Cheney é bilionário, sempre ligado a grandes negócios; era presidente da poderosa Halliburton, empresa que mais faturou com obras durante as guerras do Afeganistão e do Iraque. Para mais completa compreensão de fatos como este, é preciso considerar que as guerras do império hoje são terceirizadas, tanto em obras, logística, fornecimento de combustíveis, alimentação, apetrechos e roupagens, etc., quanto nos combates. Os combatentes mercenários pagos a peso de ouro superaram sempre os efetivos regulares do Pentágono e dos paus-mandados da Otan. Cheney foi também presidente do Partido Republicano.
Dick Cheney interveio na estrutura de serviços militares de segurança dos EUA. Paladino da disseminação das técnicas de tortura, assassinato de adversários e espalhamento do poder militar secreto mundo afora, Cheney consolidou um exército paralelo de forças especiais militares de operação clandestina que somam, hoje, mais de 70 mil operadores. [Osama bin Laden que o diga, foi vítima de um comando desses, se é que foi mesmo: o sumiço do cadáver é suspeitíssimo, trem mal explicado típico do EP] Significativo é o fato de esse exército paralelo, na época, prestar contas mais ao gabinete do vice Cheney do que ao anódino governo Bush ou ao Pentágono.
Rumsfeld é cobra criada antiga, foi secretário de Defesa do governo de Bush pai, ainda no século XX. Ambos, ele e Cheney, foram alguns dos mentores do segredo criminoso sobre os atentados de 2001, da invasão do Afeganistão ao fim daquele ano, e da invasão e término da destruição do Iraque em 2003, iniciada em 1991 pelo governo do Bush pai sob o pretexto de defender o Kuwait da agressão de Saddam Hussein.
Ao lado deles, uma renca de neoconservadores, os chamados neocons, autores do Projeto para um Novo Século Americano, ponto de partida de todos os fatos que hoje afetam e infestam a política militarista do império. E que até hoje reinam, mesmo no governo do anêmico e tergiversante BHObama.
A mão pesada do EP–Os atentados às torres do World Trade Center, em NY,e a trecho pequeno do Pentágono, que dão a partida para a alteração militar da política dos EUA para a região do Oriente Médio e a Ásia Central e a deflagração da falsa “guerra global ao terror”, foram arquitetados e acompanhados pelo EP. Na execução, de face pública, 15 pobres diabos da Arábia Saudita e mais 4 de outras nacionalidades. Minto: pobres, jamais; foram largamente financiados pela família real saudita e seus reis assassinos, com o beneplácito dos mais notáveis expoentes do EP e de seus análogos de vasto mundo, com destaque para Israel e Reino Unido.
Uma hora após o segundo ataque, ou seja, duas após o primeiro, o apatetado Bush foi a redes de TV e acusou Osama bin Laden como autor. Isso sem que as 16 agências de inteligência, a CIA ou o FBI se manifestassem. Bush foi o ventríloquo perfeito do EP. Em violação à suspensão completa de vôos no país, um avião foi autorizado a decolar levando mais de 60 membros da família real saudita e empresários como os Laden. Uma exceção notável. Uma história do EP, que, como todas, fica sempre sem solução, envolta em nebulosas cogitações.
Na sequência, o império invade o Afeganistão, para buscar… Osama bin Laden. Mentira. A se pensar: uma operação da envergadura da invasão do Afeganistão, país situado a milhares de quilômetros dos EUA, exige meses de preparação. [Nos últimos anos da ocupação maciça, já que o país continua ocupado, um litro de gasolina chegava às mãos das tropas por nada menos de 400 dólares; o Pentágono é o maior consumidor privado de combustíveis do mundo] Ou seja: na esteira dos atentados de 11 de setembro os planos e projetos já estavam prontos, à espera do pretexto. Os condutores do velho e raposo EP sabiam o que se passava, o que se passaria, e as seqüências dos acontecimentos. O pateta George Bush, que mal fala sua língua materna, serviu como artífice da cortina de fumaça. Talvez nem soubesse o mínimo das razões dos seus atos. O trouxa perfeito.
A batalha pela posse da cidade de Aleppo, na Síria, apresenta um aspecto curioso. Dois dos inúmeros grupos terroristas anti-Assad lutam entre si. Um grupo é apoiado (financiado, armado, treinado, etc.) pela CIA, em paga pela Arábia Saudita; o outro é cria do Pentágono. Para leigos, os EUA se chocam contra os EUA. Mas quem sabe do Estado Profundo tenta entender de outro modo.
(Nota ao leitor: a.esta série usa linguagem popular; b. também não adota a inócua ‘reforma’ recente, negócio para beneficiar editoras, embora o autor saiba segui-la)
*Chico Villela (72), é escritor e editor, escreve sobre Geopolítica e Política Internacional e atualmente realiza revisão de teses e monografias.
Contato pelo e-mail revisao.francisco@gmail.com