A luta pelo direito à dignidade em Botucatu!

por Daniel de Carvalho*

Vivemos tempos de muitas dúvidas e graves ameaças aos direitos de todo cidadão. Há planos de retrocessos e cortes na carne do botucatuense agendados para o decorrer deste ano pelo governo provisório, mas temos outras cicatrizes muito profundas que nossa sociedade faz questão de tolerar, todas fruto da falta de direito à dignidade.

Daniel de Carvalho é publicitário

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Um problema secular no Brasil é a questão da escravidão – base de nossa economia por vários governos e finalmente proibida no século XIX – e tem sido muito combatida nesta última década graças ao trabalho de militantes pela dignidade no trabalho, seja no campo ou na cidade. Esta abordagem no combate ao trabalho escravo tem revelado graves problemas sociais que vários se negam a reconhecer. Em 2015 foi divulgada uma lista de fazendas e polos de trabalho baseados em relação análoga à escravidão sendo que duas das várias fazendas denunciadas em nosso Estado estão em São Manuel – soubemos disso graças aos canais de jornalismo independente da rede social. Em Brasília a bancada ruralista, extremamente influente neste mandato, se vê ameaçada e articula projeto que altera a lei e busca retroceder no direito ao trabalho digno retirando das definições de trabalho escravo os termos ‘jornada exaustiva de trabalho’ e ‘condições degradantes de trabalho’.

Se aprovada a alteração, só seria considerado escravagista quem instalasse um pelourinho e algemas como na época da Princesa Isabel, contrariando assim todas normas mundiais e humanitárias que buscam igualar a luta pela dignidade defendendo cidadãos sem alternativa, forçados a trabalhar sem qualquer condição pela ameaça do desemprego, fazendo-os ‘escolher’ serem escravos. Para a bancada, oferecer condições de trabalho digno ao trabalhador afeta diretamente os lucros de seus investimentos…

Precisamos sair do século XIX.

Outra questão que, quando fora abordada com a seriedade que deveria tomar, sempre foi enfrentada pelos ‘homens de bem’, é o direito à terra, à propriedade. No campo há um movimento que vinha crescente pela reforma agrária iniciada no governo FHC, intensificada na era Lula e relativamente abandonada na gestão Dilma pelo pacto econômico que fizera com o agronegócio. Nestas eras muitos assentamentos, terras indígenas e áreas quilombolas foram reconhecidas e assim definiu-se a guerra histórica que vitimou comunidades e várias famílias, abandonadas pela segurança pública, foram extintas pelos posseiros e pela grilagem. No mês de maio lideranças indígenas estiveram em Brasília para reivindicar seu direito à terra e foram esculachadas pelas lideranças da bancada ruralista. Ponto marcante – e profundo – foi o enfrentamento aos representantes da União Democrática Ruralista – UDR, constantemente denunciados por vários assassinatos, inclusive o do seringueiro Chico Mendes e lideranças indígenas.

Agora em nossa região temos duas áreas invadidas pelo Movimento Social de Lutas – MSL, uma em Botucatu e outra em São Manuel. Ambas com lideranças regionais buscando facilitar a vida de trabalhadores botucatuenses e são manuelinos que não conseguem atravessar a crise sustentando o alto custo do aluguel. Na cidade vemos o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST isolado da gestão da reforma por moradia urbana nestes 20 dias de governo provisório do presidente interino por motivos vingativos, pelo símbolo que representam, pois tem direito a apenas 1% das casas do Minha Casa Minha Vida mas, criminalizando e vulgarizando o movimento que, organizado, difundiu a questão da especulação imobiliária e a falência do modelo de vida na cidade que isola do lar próprio milhares de famílias, valorizam sua retórica pela ‘meritocracia’ – em estudo recente a FGV considera que até 2024 o país terá 16,8 milhões de novas famílias sem acesso à moradia, sendo 10 milhões com renda familiar de até três salários mínimos – ou seja, com menor ou nenhuma condição de adquirir uma casa por conta própria, sem subsídio. Acesso à terra e à propriedade é hoje dependente do acesso à oportunidade e precisamos reconhecer que meritocraticamente tem-se muitas capitanias hereditárias e concentração de posses que nunca são oferecidos para grande maioria dos brasileiros.

Não podemos ser bastiões da moralidade e dos bons costumes do século XIX em um universo tão variado de interesses e carente de oportunidades como o que temos no século XXI, tão desigual. Trazemos em nosso sangue a história preconceituosa de lutas por direitos e precisamos trabalhar pelo conhecimento e amadurecimento de novos conceitos que precisamos passar adiante. Empatia e fraternidade são as palavras de ordem! O direito à dignidade tem que ser superior ao direito ao lucro, ao contrário do que pregam os escravagistas tratando trabalhadores como ‘coisas’. O direito à dignidade é superior ao direito à propriedade, diferente dos que defendem assassinar e expulsar quem luta pois não nasceu com as mesmas posses.

O direito à dignidade é infinitamente necessário para combater uma sociedade que vulgariza a vida do próximo e escracha as ambições por liberdade e autonomia quando poucos nascem com milhões em suas contas bancárias enquanto muitos nascem com nada para alimentar seus sonhos. Não é com migalhas e ‘ajudar como pudermos’ que resolveremos a histórica questão da luta por terra ou por trabalho digno. O Estado deve sempre equilibrar as balanças e proteger os abusados. Nossas realidades podem ser muito diferentes mas a luta, no fim, deve ser pelo acesso universal a mesma coisa, à dignidade universal. Seguiremos juntos, todos, ninguém fica para trás. Só a luta muda a vida.

*Daniel de Carvalho é publicitário e Secretário de Comunicação do PSOL Botucatu.

**Os artigos assinados por colunistas não traduzem necessariamente a opinião do Notícias.Botucatu.

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