Nascida em 1905, em Botucatu, Maria José Dupré passou a ocupar seu espaço no meio social
por Nelson Letras*
O primário escolar é uma época marcante em nossas vidas. Aprendemos a ler, a escrever, as operações básicas da matemática, alguns conhecimentos das ciências naturais, humanas… Infelizmente a escola brasileira prioriza não a reflexão, o questionamento e o anseio por mudanças para uma sociedade melhor, mas sim a formação de caracteres moldados, que aceitem o mundo que lhes é imposto como algo determinado, que não pode ser alterado. Essa negativa herança está diretamente relacionada ao Regime Militar.
Mas, algumas décadas antes da ditadura brasileira, uma menina que fora alfabetizada pela mãe e pelo irmão mais velho, quebrava as barreiras do machismo existente em nossa sociedade, aventurando-se nos estudos, na filosofia, na literatura, lendo Nietzsche, Rimbaud, Goethe e outros.
Nascida em 1905, em Botucatu, Maria José Dupré passou a ocupar seu espaço no meio social; ela não deixou “que nenhum destino biológico, psíquico, econômico definisse a forma que assumiria no seio da sociedade…”. E assim Dupré fez seu lugar social, o de uma mulher responsável por algo que vai de encontro ao nosso sistema educacional: levar às crianças brasileiras o fantástico mundo da leitura, pelo qual se é possível sair do mundo determinado, do mundo que não pode ser transformado; pelo qual as portas de nossa psiquê são abertas para as reflexões sócio-histórico-político-culturais.
Embora sua obra mais famosa seja o romance Éramos seis (1943), cuja história foi adaptada para a televisão em quatro ocasiões no formato de telenovela (em 1958 na TV Record, 1967 e 1977 na TV Tupi, e em 1994 no SBT), as narrativas de Dupré que mais permanecem em nossas mentes são as infantojuvenis. Podemos, de maneira fantástica, viajar à nossa infância, anterior ao mundo virtual, – época em que a leitura estava mais presente nas escolas e na sociedade – e nos aventurar mais uma vez com as histórias do cachorrinho Samba (escritas entre as décadas de 40 e 60), ou ainda com os meninos Henrique e Eduardo em A ilha perdida (escrita no fim da Segunda Guerra Mundial).
Os romances de Dupré fizeram – e fazem – parte da vida de muitas pessoas. A boa leitura, além de um bom entretenimento, é uma ferramenta capaz de libertar o homem das amarras sociais impostas pela falsa concepção de que nós não temos a capacidade de mudar o mundo para melhor. Sim, é possível transformar nossa sociedade. E a educação libertadora – em que as crianças são convidadas a refletir, a ter voz ativa, autonomia, a respeitar a liberdade do outro, a perceber que são seres humanos capazes de fazer a sua história – é a principal maneira de se conseguir alcançar este objetivo.
Maria José Dupré fez seu papel, ela nos apresentou um pouco desse mundo: nosso primário escolar não teria sido o mesmo sem as histórias de Dupré. Vamos seguir os sonhos da educadora botucatuense do século XX e apresentar a nossos filhos, às crianças da geração Z – nascidas conectadas à internet, aos textos curtos, falhos na comunicação, sem conteúdo, sem reflexão -, as aventuras imaginadas por ela: sejam as fictícias narrativas como as do cachorrinho Samba; sejam as idealizadas, as de um mundo melhor, de um mundo mais reflexivo.