Trata-se de um país que há muito tempo possui uma identificação maior com os Estados Unidos e com o mundo anglo-saxônico
Sérgio Mauro*
Mais do que nunca, agora que o Reino Unido decidiu sair da União Europeia, cabe a pergunta: existe realmente uma União Europeia? Se a palavra união for entendida no caso específico como a associação entre Estados diferentes, com histórias, culturas e, em parte, orientações religiosas diferentes, mas que desejam compartilhar as mesmas orientações político-econômicas, a resposta é certamente não. Se entendermos a união como simplesmente unificação da moeda e, com muitas dificuldades e recentes conflitos de interesse, livre trânsito para os seus cidadãos entre os vários países, a resposta pode até ser sim.
Não me surpreende, portanto, a saída do Reino Unido. Trata-se de um país que há muito tempo possui uma identificação maior com os Estados Unidos e com o mundo anglo-saxônico em geral. Rivalidades históricas com a França e até mesmo com a Itália (no período fascista, por exemplo) podem ter pesado na decisão tomada pelos britânicos, mas o verdadeiro motivo é o temor da invasão de outros países europeus, às voltas com altas taxas de desemprego, em busca do quase pleno emprego da ilha de Sua Majestade. Em poucas palavras, como sempre acontece, o motivo econômico prevaleceu sobre eventuais resquícios de nacionalismo ou de rivalidade com o resto do continente.
E agora? Talvez a saída da Inglaterra obrigue a União Europeia a repensar a própria ideia de união como foi concebida até o presente momento. A crise grega, ainda não completamente resolvida, as polêmicas entre Matteo Renzi, primeiro-ministro da Itália, e a chanceler Merkel, da Alemanha, a invasão de refugiados sírios, enfim, são muitos os sinais de debilidade por que passou a Europa nos últimos tempos. A partir de hoje, acrescenta-se a eles a saída de uma economia importante, uma das maiores do mundo, que anteriormente já não havia aderido à moeda única, como presságio do que estava por acontecer.
Manter a atual configuração ou voltar atrás ao que era antes da adoção do euro? Talvez um passo atrás agora, com a pura e simples extinção da moeda única e do livre trânsito entre os países europeus, seria um tremendo retrocesso. No entanto, urge repensar o conceito de união, que não deveria ancorar-se somente na moeda única obrigatória para todos os que desejarem integrar o bloco. Melhor seria que cada país cedesse na hora de negociar os próprios interesses locais e que se discutisse um plano de ação que integrasse verdadeiramente os Estados na solução de problemas comuns, como, por exemplo, a invasão de desesperados que fogem da miséria e das constantes guerras na África ou no Oriente Médio. Que união é essa em que países como a Itália e, em menor escala, a Espanha, pagam um alto preço somente pela localização geográfica muito próxima do Norte da África.
Não há sentido em falar de união verdadeira, quando cada país age isoladamente ao ter de enfrentar um problema que afeta a todos, como nas questões que envolveram a Líbia, não muito tempo atrás, e todos os tristes recentes episódios de terrorismo que atingiram a França. Parece-me que a melhor solução seria não apenas manter a moeda única, mas reformar completamente o Parlamento Europeu para que deixasse de ser apenas uma representação burocrática, passando a enfrentar de maneira resoluta os problemas ligados à segurança e às preocupantes demonstrações de intolerância da população europeia no que diz respeito ao acolhimento dos refugiados.
Anos atrás, quando o Reino Unido desconfiou da adoção do euro e preferiu manter a sua própria moeda, já estava, enfim, dando sinais de que não acreditava na união entre países tão diferentes, apenas acomunados por um mesmo ideal de paz e de prosperidade. De certa forma, além de uma demonstração de orgulho misturado com certo menosprezo por tudo o que não pertence à esfera do mundo anglo-saxão, o Reino Unido deu uma lição à Europa. Espero que os países europeus mais importantes economicamente, como a Itália, a França, a Alemanha e a Espanha, sentem-se à mesa e deem início a uma total reformulação dessa integração entre Estados quase unicamente baseada na adoção da mesma moeda, o que, francamente, é muito pouco em termos de aquisição de força e vigor para combater problemas cuja solução não pode mais ser adiada.
*Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.