“A situação vivida por Botucatu pode ser considerada privilegiada”
por João Cury*
O pacto federativo, previsto na Constituição Brasileira, define as funções dos entes federados (União, Estados e Municípios) e a fonte que vai financiar a devida execução de tais responsabilidades. Trocando em miúdos: quem faz o que e de onde sai o dinheiro para pagar essa conta.
Hoje, esse instrumento criado para garantir equilíbrio no cumprimento de uma série de determinações legais e uma divisão justa no aporte dos recursos financeiros necessários para sua execução, virou uma peça de ficção.
Nas últimas décadas, o que se viu foi o aumento da concentração do que se arrecada nas mãos da União, ao mesmo tempo em que Estados e Municípios foram obrigados a assumir novas competências e atribuições.
O resultado dessa combinação nefasta não poderia ser outro. A conta hoje não fecha e quem sofre a consequência é a população que mais depende dos serviços públicos, incapazes de oferecer solução para os problemas com a qualidade e a rapidez que o cidadão precisa e merece.
Receber encargos sem o dinheiro correspondente para custear as ações é quase como assinar o próprio atestado de óbito. De um modo geral, o estado deficitário das contas públicas já ultrapassou o limite do aceitável.
Dias atrás foi praticamente selado um acordo que permitirá aos estados, que vivem situação calamitosa e de absoluta penúria, arrolar suas dívidas com a União por um prazo mais longo, que pode atingir até 20 anos. Em contrapartida assumirão o compromisso de adotar medidas mais duras em busca de equilíbrio fiscal, que contribuam para maior eficiência do gasto público. O Congresso Nacional já colocou a proposta como prioritária em sua pauta de votações.
A ratificação desse acordo e sua formalização por meio de lei trará um alívio momentâneo aos governadores, que terão prazo mais alongado para recolocar suas finanças em ordem. Mas a pergunta que fica agora é: como fica a situação dos municípios que praticamente vivem estado de insolvência?
São os municípios que respondem pelas maiores demandas da população. É onde os grandes desafios sociais estão colocados e, no entanto, são os que menos recebem recursos dos entes federativos.
De tudo que se arrecada de impostos, a União fica com 60%, os estados com
25% e os mais de 5 mil municípios brasileiros com apenas 15% do bolo tributário. É importante lembrar que as pessoas não moram nos estados, nem na União, mas sim nos municípios.
É ali que elas buscam resposta para os seus mais diversos problemas.
No entanto, os municípios hoje são incapazes de apresentarem soluções por completa falta de recursos. E para piorar recebem cada vez mais novas responsabilidades sem o correspondente orçamentário para fazer frente às novas despesas assumidas.
Exemplos não faltam. Para muitas prefeituras, o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) virou um “presente de grego”. O governo federal cede as ambulâncias, mas a maior parte do custeio da operação fica com as cidades. Por isso tem sido comum encontrar veículos parados e prefeitos devolvendo ambulâncias por absoluta falta de recursos para manter um serviço que, apesar de absolutamente relevante, é caro.
A UPA (Unidade de Pronto Atendimento) é outro bom exemplo. A União se compromete em repassar os recursos para construir o prédio. E depois o município precisa se virar para garantir o dinheiro necessário para o seu funcionamento, que consome milhões de reais por ano. Por isso muitas unidades fecharam as portas para desespero e revolta de quem precisa de atendimento de saúde pelo SUS.
Essa situação também se verifica com os programas de habitação popular executados pelos governos estadual e federal. Via de regra, os conjuntos ficam prontos sem a presença de equipamentos públicos essenciais como creche e posto de saúde. Assim que as moradias são entregues, os prefeitos passam a ser pressionados para construí-los. A população tem razão em cobrar. Mas fazer com que dinheiro?
A situação vivida por Botucatu pode ser considerada privilegiada se comparada a maior parte das cidades brasileiras. O absoluto rigor na gestão das contas públicas, o planejamento orçamentário austero, a busca incessante de recursos extraorçamentários, as medidas de aquecimento da economia local, o apoio e o diálogo com o setor produtivo, as parcerias com o terceiro setor, a gestão participativa e descentralizada, ouvindo a população nos permitiram manter o equilíbrio das contas, honrando os compromissos e executando obras. Mas nossa capacidade de investimento fica cada vez mais limitada diante do grande aporte de recursos necessários para garantir o custeio máquina pública.
Em razão disso, a classe política e a sociedade brasileira precisam, urgentemente, começar a discutir um novo pacto federativo. Do contrário, o que já é ruim só tende a piorar. Parafraseando Geraldo Vandré: “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
*João Cury Neto (PSDB) é prefeito de Botucatu e presidente do PSDB local.
**Os artigos assinados por colunistas não traduzem necessariamente a opinião do Notícias.Botucatu.