Aristóteles e a escola pós-modernista

O termo filosofia, cuja origem é grega, significa amar, querer a sabedoria. Filosofar é pensar sobre a vida e sentir, viver este pensamento

por Nelson Letras*

Desde que a filosofia ocidental surgiu, na Grécia, seis séculos antes de Cristo, seu objetivo é a busca pela felicidade. Este vocábulo tem origem latina de “felicitas” que por sua vez vem de “felix”, cujo significado é fértil, frutuoso, fecundo. Assim, ser feliz é ser fértil, é colocar em ação toda sua potência de vida. Os gregos da antiguidade filosofaram sobre maneiras diferentes de se alcançar a felicidade – seja pela busca do inteligível, pela valorização da alma, da razão, seja pela satisfação por meio das sensações materiais -. O que há em comum no pensamento dos principais filósofos é o conceito de “eudaimonia”, que seria estar em harmonia com o divino, com o cosmos, o universo. Esse conceito consiste em uma ordem cósmica: tudo no universo possui uma função, uma finalidade, o Sol, a Lua, as estrelas, o céu, a chuva, o vento, as marés, a fauna, a flora, etc. estabelecendo assim a harmonia pela ordem de cada elemento.

Professor Nelson é formado pela Unesp de Assis

Professor Nelson é formado pela Unesp de Assis

Um dos maiores pensadores da história, Aristóteles, afirmava que, para ser feliz, o ser humano precisaria estar em harmonia com o cosmos, ao compreender e colocar em prática o pleno desenvolvimento de suas faculdades, de suas virtudes, qual é seu talento, sua vocação. É óbvio que para se chegar então à felicidade, segundo o pensamento aristotélico, não se trata de um caminho fácil, poucos conseguiriam alcançar. Isso porque poucos conseguem descobrir seu verdadeiro talento e, ainda que descubram, a sociedade não permite que muitos consigam desenvolver esse talento, essa vocação.

O atual sistema da ordem vigente, que tem sua consagração com o fim da União Soviética e seu sistema político e socioeconômico, fez com que muitos filósofos afirmassem estarmos vivendo em uma nova era, a era pós-moderna, caracterizada pela busca por prazer imediato, pelo individualismo, por relações sem profundidade, sem solidez, pelo consumo desnecessário, exagerado, pela falta de comprometimento, pela superficialidade de relações com a natureza, com os fatos e com o próprio homem, e por uma relação paradoxal: o ser humano estar evoluindo racionalmente, porém regredindo quanto ao intelecto, à reflexão, à sua capacidade de transformação social. O pós-modernismo, de acordo com esses filósofos, estaria tirando do homem o que o faz diferente dos outros seres: a sua capacidade de decidir sobre suas ações, sobre sua vida.

Mas será que essa preocupação dos filósofos pós-modernos tem sentido em nossa simples vida do dia a dia, no nosso dormir, levantar, trabalhar, ir à escola, à faculdade, almoçar, jantar, ver televisão, entrar no facebook, visitar sites e mais sites de notícias, de entretenimento…? Vamos refletir um pouco sobre algo muito importante, sobre a definição de Aristóteles da busca pela felicidade e nosso mundo pós-moderno.

O termo filosofia, cuja origem é grega, significa amar, querer a sabedoria. Filosofar é pensar sobre a vida e sentir, viver este pensamento. O principal caminho para colocarmos em prática a filosofia é a escola. É nela que teríamos acesso ao conhecimento, e teríamos as principais ferramentas para colocar em prática nossa reflexão sobre o que é melhor para a vida, melhor para ser feliz. Analisemos com mais calma a escola pós-modernista brasileira. Ela realmente está permitindo às crianças compreenderem quais são seus talentos, suas vocações; e mais, ela está colaborando para que essas crianças coloquem em ação suas potências de vida, sejam férteis, fecundas? Ela está abrindo os olhos dos jovens sobre a liberdade de construírem seus futuros de acordo com seus talentos, ou está impedindo essas crianças de refletirem sobre sua capacidade de fazer a própria vida?

Chegaremos à conclusão de que nossa escola pós-modernista está tirando o livre-arbítrio do brasileiro, está tirando aquilo que difere o homem dos outros seres: a capacidade de escolha das atitudes a serem tomadas para o seu modo de viver. Nossas escolas públicas, em sua maioria, apenas servem para que as crianças tenham um lugar para frequentar, para estar, enquanto os pais trabalham; aqueles que se formam nesses ambientes, se formam apenas para ter um diploma e ser mão de obra no mercado de trabalho, para ser base na pirâmide social – são poucos os que conseguem sair desse quase determinismo e mudarem de classe social -. Já as escolas particulares se diferem dessas quanto à posição na pirâmide social, os alunos são formados para permanecerem no ápice da pirâmide. Mas em nenhum dos dois casos há uma educação para a reflexão, para a compreensão de conhecimentos importantes para uma evolução intelectual individual e coletiva.

Nossos modelos escolares limitam a capacidade de reflexão do aluno.Tomemos como exemplo a maior parte dos colégios privados. Uma boa aula nestes colégios consiste em uma aula com uma exposição carismática do conteúdo por parte do professor, em uma aula que agrade os alunos, que os deixe felizes; entretanto essa forma educacional não instiga a reflexão (uma vez que o aluno acredita ser necessário apenas memorizar as informações passadas pelo professor), além de se preocupar com um conteúdo, em sua maior parte, desnecessário para a vida do aluno; a grande preocupação é a de preparar o aluno para o vestibular e não para a vida. O professor se vê preso a uma apostila com aulas e conteúdos programados. O aluno é condicionado a aprender aquele conteúdo apenas para a prova, para se formar e passar no vestibular. O discente, ao terminar o ensino médio, se vê numa situação muito difícil: a escolha de qual profissão deverá escolher. E neste momento ele percebe que a escola não o preparou para essa escolha, ela não foi capaz de fazê-lo compreender qual é o seu talento natural, sua vocação. Ele apenas acredita que o curso universitário a ser escolhido é aquele mais valorizado pela própria escola em que estudou. Prova disso é o vultoso número de candidatos por vaga para o curso de medicina, e o pequeno número (se comparado ao número dos que ingressam no curso) de médicos felizes com a profissão que escolheram.

O alcance do conceito aristotélico de felicidade é limitado a pouquíssimos em nossa sociedade. Nossa escola pós-modernista, preocupada com a manutenção de um status quo, não permite que o aluno descubra seu talento e seja feliz. É sofrível perceber que o ambiente escolar – aquele que deveria ser o principal responsável no desenvolvimento intelectual do ser humano e na sua capacidade de buscar a felicidade, ajudando-o em sua identificação, em sua compreensão de talento, para assim, pelo menos, tentar colocá-lo em prática e alcançar a satisfação, a felicidade, a harmonia entre vida e estar vivo, entre pensar e viver o pensamento – está na verdade lhe tirando sua natureza humana, sua capacidade de transformar, de ordenar sua própria vida, ou seja, seu livre-arbítrio.

Vivemos em função de um ordenamento social pós-moderno contrário à harmonia, ao ordenamento aristotélico de eudaimonia, da felicidade; vivemos pela busca de uma consequência a qual nos é imposta como o único caminho para a felicidade, e não conseguimos agir por nossa própria natureza, sequer conseguimos conhecê-la, não conseguimos trilhar nossos próprios caminhos, nosso futuro segundo nossas vontades, nossa natureza, e enquanto isso a felicidade é procurada e colocada nos lugares errados, em bens, em status, em mercadorias e, quando menos se espera, a vida passou e o que ficou foi uma mágoa de uma juventude sem juventude, de uma vida adulta sem vida, de uma terceira idade que apenas se lamenta de uma vida que poderia ter sido diferente.

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