Para onde vai o Brasil pós-impeachment?

Primeiramente, é preciso especular sobre o tipo de país desenvolvido que o Brasil pretende ser

por Sérgio Mauro*

Se eu tivesse uma bola de cristal, gostaria de poder enxergar nela um futuro brilhante para o Brasil. Temo, porém, que os meus olhos conseguiriam vislumbrar apenas uma continuação do que temos hoje, isto é, um país industrializado, mas também “engessado” pela corrupção generalizada e pela malograda renovação política, apesar do passo positivo dado com o afastamento de Dilma.

Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

A questão que se coloca é: poderá o Brasil nos próximos cinquenta anos ou mais tornar-se um país desenvolvido? Sinceramente, creio que não, ao menos nos moldes dos países europeus mais ricos ou dos Estados Unidos. Poderemos nos tornar uma nova Venezuela, como alguns andaram dizendo nos últimos dias, ou, com muito otimismo, alcançar o patamar dos países da região do “Mediterrâneo” (Portugal e Espanha, por exemplo), como auspicava Hélio Jaguaribe, nos anos 80, mais precisamente na época do Plano Cruzado? Difícil fazer qualquer afirmação peremptória nesta matéria.

Primeiramente, é preciso especular sobre o tipo de país desenvolvido que o Brasil pretende ser. O próprio conceito de desenvolvido é muito elástico e se aplica a países muito diferentes entre si. Alemanha, Estados Unidos e Itália são países desenvolvidos? Com certeza, sim. No entanto, os problemas que afligem os Estados Unidos, como, por exemplo, o alto índice de violência cometida por desvairados (ou “loosers”) que pegam em armas e atiram em multidões não atinge ou raramente atinge a Itália, tendo já atormentado a Alemanha recentemente, mas em escala muito menor que a dos americanos. Já a corrupção, sobretudo no setor público, e a criminalidade organizada ainda constituem um flagelo para a Itália, mas não necessariamente para alemães e americanos. O que une os três países é tão somente o bom ou ótimo nível de vida para a maior parte da população (nunca, porém, nos três casos, para “cem por cento” dos cidadãos).

O Brasil deveria, portanto, trilhar um caminho próprio de desenvolvimento, muito diferente do que foi seguido por nações que estão sempre no topo tanto dos rankings de maior PIB como nos de qualidade de vida. Na verdade, como já pensava Murilo Mendes, um de nossos maiores poetas, a cultura brasileira (e o conceito de progresso e nível de desenvolvimento) não deveria diferenciar-se forçosamente da europeia, mas acrescentar algo de original ao que recebemos da colonização portuguesa e da influência dos índios, dos negros e dos muitos imigrantes que para cá vieram. Em uma conferência inédita no Brasil, pronunciada em italiano no “Circolo Filologico de Milano”, em 1957, o poeta mineiro afirmou: “Penso que a cultura brasileira não pode e não deve se distinguir totalmente da de outros países e que viemos não principalmente para descobrir algo de novo, mas para prolongar e, se por possível, aperfeiçoar o que nos foi dado como herança” (Tipografia Firma, Milão, 1957, p.13, tradução minha).

Justamente neste “prolongar e aperfeiçoar o que nos foi dado” reside o problema para o futuro brasileiro. Como aperfeiçoar e prolongar todo o imenso cabedal da colonização europeia, que acabou se impondo ao longo da história brasileira, junto com a grande influência dos índios e dos negros e, sobretudo nas regiões meridionais, dos italianos, espanhóis, alemães, japoneses e tantos outros povos? Murilo Mendes não afirma categoricamente, mas fica implícito nas suas palavras que o caminho seria mediante uma educação de alto nível que fosse capaz de respeitar as várias culturas locais de cada região do país, integrando-as sempre que possível, sem ignorá-las ou massacrá-las, como costuma acontecer.

O dilema está em como obter finalmente um bom nível educacional num sistema político como o brasileiro, gangrenado e corroído até a medula, formado por partidos políticos sem ideologia e identidade, cujas características mudam ao sabor dos ventos, sempre à espera de votos facilmente obtidos, provenientes de um conjunto de eleitores que, na sua imensa maioria, possui pouca informação, tanto a respeito de ideologias e políticas como sobre o próprio país em que vive, lê com dificuldade (devido ao alto índice de analfabetos funcionais) e que muitas vezes “cede” o voto ao político que lhes dá uma cadeira de rodas, uma dentadura ou até mesmo alguns sacos de feijão.

O círculo vicioso que foi constituído ao longo da história brasileira só se agravou com a nossa atual frágil democracia. Concedeu-se o sufrágio universal a um povo bastante imaturo, na sua maioria, pelo menos, e que constantemente elege, destitui, ou pensa que está destituindo, com a força do seu voto, políticos majoritariamente despreparados e aventureiros. O problema está, portanto, neste suposto “democrático” sufrágio universal, que finge ignorar que a maioria da população não tem o discernimento e o nível de informação necessários para votar com consciência e clareza.

No entanto, o tema do sufrágio universal tornou-se tabu, e não apenas no Brasil. Em países que já alcançaram um nível educacional mais alto, o problema não é tão grave, pois o voto não é nem mesmo obrigatório, constituindo um direito que, pelo menos na maior parte dos países europeus, os cidadãos exercem com razoável consciência. De maneira alguma poderíamos dizer que isto ocorre no Brasil, onde ainda por cima há a aberração do voto obrigatório, que só interessa aos políticos corruptos.

Para rompermos este círculo vicioso, acrescentando algo de original à democracia moderna que foi inventada pelos americanos (ou franceses?), seguindo, portanto, as recomendações de Murilo Mendes, poderíamos abolir provisoriamente o sufrágio universal, restringindo o direito de voto apenas aos que possuem diploma de nível superior (uma minoria, infelizmente), minimizando, mas não eliminando completamente, o problema da falta de informação do eleitorado. Ao mesmo tempo, é claro, os investimentos numa boa educação, sobretudo pública, precisariam aumentar bastante. Com o tempo, o sufrágio começaria a ampliar-se, até chegar a ser realmente universal.

Receio, porém, que resvalei, até mesmo sem querer, no terreno da utopia, tocando em tabus que poucos querem discutir, com medo de serem acusados de defensores do fascismo ou do nazismo. Muito pior do que qualquer ditadura, porém, são as falsas e corruptas democracias, como a que estamos vivendo. Além do mais, são sempre as democracias frágeis que fazem surgir os tiranos e os falsos salvadores da Pátria.

Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

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