Segundo o Movimento Escola sem Partido há muitos professores “doutrinadores”, que se aproveitam da “audiência cativa” dos alunos para imporem suas ideias
por Ana Paula Cordeiro*
Ganhou fôlego nos últimos dois anos uma discussão na sociedade brasileira em relação aos limites da educação oferecida pela escola e suas temáticas. Temas que estão relacionados a avanços sociais das minorias e grupos sociais que historicamente lutam contra preconceitos e que conquistaram voz no campo dos estudos e do fazer científico parecem incomodar a setores conservadores brasileiros que se organizam de diversas formas, inclusive dentro do espectro da educação via um movimento que ficou conhecido como “Escola sem Partido”. Sem uma discussão maior com a sociedade como um todo, propõem Projetos de Lei que tramitam em nível federal, estadual e municipal pelo país. Afinal, o que é e o que propõe o “Escola sem Partido”?
O Escola sem Partido é um movimento que surgiu no ano de 2004 por membros da sociedade civil e que teve como principal nome o advogado Miguel Nagib, coordenador da organização. Segundo ele, o movimento surgiu de uma insatisfação de cidadãos em relação a práticas que eles consideram ilegais, relacionadas à educação moral, religiosa e política nas escolas. Segundo o Movimento Escola sem Partido há muitos professores “doutrinadores”, que se aproveitam da “audiência cativa” dos alunos para imporem suas ideias no campo da política partidária e de outras questões que envolvem uma formação mais profunda e que deveriam, na concepção do movimento, ser de responsabilidade da família. O professor não deve “ideologizar” os diversos temas e assuntos trabalhados em sala de aula, não deve expor-se politicamente e tampouco discutir questões atuais e de gênero nas escolas.
Tais ideias ganharam fôlego a partir de 2014 quando o deputado estadual do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro (PSC-RJ) pediu a Miguel Nagib que escrevesse um projeto de lei intitulado Programa Escola Sem Partido, apresentando as ideias do movimento. A partir daí, projetos similares foram apresentados e hoje o principal deles é o PL 193/2016, do senador Magno Malta (PR-ES), em tramitação no senado. Tem ocorrido consulta pública relacionada a tal projeto, mas sem uma discussão maior entre professores, especialistas, profissionais das escolas, pais, alunos e comunidade em geral. Um dos pontos do PL é que se coloque nas escolas, em cada sala de aula, um cartaz de caráter mandatário relacionado aos “deveres do professor”. O cartaz, resumidamente falando, deve lembrar ao professor de que ele não deve “doutrinar” seus alunos, seja politicamente, moralmente ou religiosamente. E apesar do Movimento Escola sem Partido apregoar que a idealização do PL está respaldada na Constituição e que deseja o pluralismo de ideias em sala de aula, sem que se priorize um ou outro tipo de conhecimento, há o intuito de vetar a possibilidade de discutir questões de gênero nas escolas, por exemplo. Fala-se da liberdade do aluno de aprender, mas nega-se voz ao professor quando este pretender apresentar seus pontos de vista em relação à matéria apresentada.
No site do Movimento, inclusive, há um ícone intitulado “flagrando o doutrinador”, que incita alunos e pais a vigiarem as atitudes do professor em sala de aula. Apesar de dizerem que não desejam nenhum tipo de “doutrinação” política ou ideológica nas escolas, não explicitam claramente o que de fato incomoda nas supostas ações de professores, a não ser um certo discurso que eles classificam como de “esquerda” e temáticas que consideram inapropriadas à formação de crianças, como as questões de gênero, étnico-raciais, entre outras. Ora, por tudo o que apresentam, seja via Projetos de Lei, seja por meio das ideias veiculadas pelo site e materiais explicativos do Movimento, o Escola sem partido, em primeiro lugar, tem partidos, todos eles conservadores do ponto de vista da ação e do discurso. Além de tomarem partido também propõem, mesmo afirmando que estão ancorados na Constituição, algo inconstitucional, como vetar discussões que são frutos de avanços científicos e históricos no campo das Ciências Humanas. Também propõem um canal de denúncia anônima a professores junto a Secretarias de Educação e Ministério Público, podendo o professor sofrer ações legais, como processos.
Como professora e estudiosa dos temas da Educação, considero o Movimento Escola sem Partido um retrocesso, carregado de desconhecimento em relação ao trabalho pedagógico do professor e da escola, cheio de equívocos que esbarram nas principais leis da educação do país, bem como nos avanços do conhecimento de importantes temáticas que se desenvolveram ao longo dos últimos cinquenta anos. Também propõe, no lugar do saudável diálogo entre os atores da escola, a vigilância ao professor, que é desqualificado e visto como um “inimigo”, um “doutrinador de esquerda” que pretende “fazer a cabeça dos alunos”. Desqualifica igualmente os alunos, que são vistos como seres passivos, incapazes de reflexão. Precisamos discutir seriamente as questões relacionadas à Educação e considero que os muitos equívocos do Movimento Escola sem partido não contribuem para o avanço do conhecimento, tampouco do diálogo, imprescindível à democracia. Nesse sentido, ele serve apenas ao retrocesso das relações sociais na escola.
*Ana Paula Cordeiro é docente da Faculdade de Filosofia e Ciências- Unesp – Campus de Marília