O que esperar da “maioria silenciosa”?

Política é, em última instância, a disputa pela realidade – ou pelo que parece ser a realidade para o eleitor.

por Fernanda Magnotta e Juliano Domingues*

Um dos cartazes da campanha republicana estampa a frase “A maioria silenciosa está com Trump”. A mensagem reflete o suspense em torno do resultado da eleição presidencial nos EUA e, ao mesmo tempo, sintetiza a disputa em curso pela percepção da opinião pública. Seria ela pertinente? Quem é essa maioria?

Política é, em última instância, a disputa pela realidade – ou pelo que parece ser a realidade para o eleitor. Nessa arena, o discurso é a principal arma na construção de diferentes narrativas. Elas competem entre si com o mesmo objetivo: conquistar a percepção do maior número possível de pessoas e, assim, derrotar a versão oponente. Quanto mais compartilhada, principalmente pelos meios de comunicação, maior a chance dela se tornar aquilo que a teoria da comunicação chama de “opinião dominante”.

O custo social de manifestar-se contra aquilo que parece a opinião da maioria costuma ser elevado. Haveria, portanto, uma tendência ao silêncio entre os descontentes. Em linhas gerais, é isso o que prevê a teoria da espiral do silêncio, formulada pela pesquisadora Elisabeth Noelle-Neumann. Algo semelhante é conhecido como Bradley effect, uma tese que atribui distorções em pesquisas de intenção de voto ao fato de que, muitas vezes, o eleitor responde, diante do agente entrevistador, o que considera “politicamente correto” ou “socialmente aceitável” e não o que realmente pensa ou pretende fazer. O cartaz no comitê de Trump parece dialogar justamente com essas premissas. E Ohio, um dos chamados “swing states” (nome dado aos locais em que o resultado é imprevisível), é uma amostra interessante de que a maioria silenciosa pode, de fato, mostrar-se maioria nesta eleição.

Desde as primárias, Trump investe na construção de uma narrativa voltada para a classe trabalhadora. Com isso, abarca como base de seu eleitorado parte significativa do grupo que tradicionalmente menos comparece às urnas. No entanto, apega-se ao “discurso do medo” para tentar mobilizar o público e, com isso, incentivar um turnout favorável. Ao dirigir-se ao público dizendo, de forma incisiva, que as eleições estão fraudadas e que é preciso “drenar o pântano” (referindo-se a Washington, D.C.) acredita ser uma força agregadora capaz de superar o padrão histórico.

Neste quesito, tem a seu favor episódios recentes, como o plebiscito sobre o Brexit, no Reino Unido, e o referendo sobre o acordo de paz com as Farc, na Colombia. Nos dois casos, o resultado vindo das urnas contrariou os levantamentos preliminares e surpreendeu. Representaram, em ambas situações, uma vitória do paradigma conservador. Em se tratando dos Estados Unidos, Newt Gingrich, conhecido congressista republicano, chegou a dizer que o desconforto em assumir o voto em Trump poderia levar as pesquisas a distorções de até 4 pontos percentuais em favor do candidato.

Em contraposição, projeções recém divulgadas pela prestigiada Brookings questionam a capacidade revolucionária de conversão de votos ansiada por Trump e afirma que a teoria do “eleitor oculto”, neste caso, é exagerada. Ao abordar o efeito do “shy Trump”, como o fenômeno ficou conhecido nos Estados Unidos, o estudo afirma que ele não venceria em nenhum dos três diferentes cenários traçados (mesmo naquele em que o apoio a Trump é exageradamente super-estimado). O principal motivo para isso é que nos Estados Unidos a eleição considera o aspecto demográfico, de modo que não bastaria ganhar, mas seria preciso ganhar nos lugares certos, capazes de converter os votos populares em votos no colégio eleitoral.

Os cartazes e adesivos de Hillary Clinton estão bem mais presentes no vidro dos carros, assim como as bandeirolas nos jardins das casas. Em conversas com lideranças partidárias ou com o cidadão comum, percebe-se o eleitor democrata mais confortável em declarar seu voto. Se fosse possível mensurar o grau de desconforto, certamente ele seria maior entre apoiadores de Donald Trump. Quase não se vê material de campanha dele nas ruas. Apesar disso, pesquisas de intenção de voto indicam que ele vence a disputa em Ohio por até cinco pontos de diferença. Vale lembrar que o estado é considerado o barômetro das eleições nos EUA. Desde Abraham Lincoln, em 150 anos de história, nunca um Republicano chegou a Casa Branca sem vencer em Ohio.

Estamos prestes a saber quem está certo.

Fernanda Magnotta e Juliano Domingues acompanham as eleições dos Estados Unidos a convite do Departamento de Estado como pesquisadores visitantes do Ray C. Bliss Institute Of Applied Politics, em Ohio. Fernanda Magnotta é Professora e Coordenadora do curso de Relações Internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (FAAP), mestre e doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação San Tiago Dantas (UNESP / UNICAMP / PUC-SP) e pesquisadora do Núcleo de Estudos e Análises Internacionais (NEAI) da UNESP. é Doutor em Ciência Política (UFPE) e professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).

Deixe um comentário