O cenário político doméstico dos últimos vinte anos no Brasil alimentou ampla polarização política encabeçada por PT e PSDB
por Sara Toledo*
Historicamente, a dinâmica política brasileira é pródiga em demonstrar seu caráter corrupto. Marcado por uma tradicional cultura clientelista e patriarcal do Estado, a corrupção fora estruturalmente construída e parece estar arraigada nas práticas políticas, escandalosamente, até a atualidade. Neste ambiente, a reação mais prosaica do senso-comum sempre fora a de aceitar a corrupção como constitutiva ao Estado brasileiro, de modo a acomodar na percepção popular que o menos pior “é quem rouba mas faz” – analogia ao Malufismo. Neste cenário, é inegável que a ideia de justiça acaba ocupando lugar central não apenas no imaginário político popular, mas também entre outros setores e grupos e tornando-se lugar comum dentre a crítica midiática.
Nada mais natural, afinal, a ideia de justiça – que tem como pressuposto central a verdade e a punição – em uma democracia representativa, torna-se basilar, uma vez que o representado se vê lesado diante do “contrato” político entre eleitor e governante. Neste sentido, os três poderes constitutivos de nossa frágil democracia veem-se cada vez mais diminuídos diante do apoio da opinião pública em torno do Judiciário, a fim deste conter e punir as injustiças políticas. Fenômeno que ficou evidente em 2005, com o julgamento do Mensalão, e sobretudo, com a Operação Lava-Jato e a deflagração de amplo apoio de diversos setores sociais.
Neste cenário composto por bandidos e mocinhos, o PT, por referenciar a esquerda, que trás consigo o emblema de “justiça”, acabou por morrer pela boca na medida em que se utilizou de práticas corruptas estrondosas, objeto da Operação Lava- Jato. Neste sentido, por negação e oposição, o PT perde espaço e com o impeachment e particularmente as últimas eleições estaduais e municipais, chega ao esgotamento.
O cenário político doméstico dos últimos vinte anos no Brasil alimentou ampla polarização política encabeçada por PT e PSDB. Adicionalmente, com os escândalos de corrupção, a oposição naturalmente cresceu, e ganhou fortalecimento fundamental com o giro do PMDB ao PSDB. Assim, o PT perdeu o pilar central da base frágil de coligações.
O raciocínio polarizado funciona como uma espécie de negação dicotômica, isto porque pensar a partir de opostos acaba levando necessariamente à negação de um como condição de referências ao outro. Mais ou menos como afirmei em artigo anterior aqui, “O que ocorre é que precisamos de certo didatismo ao compreender os processos políticos e ao mesmo tempo, todos buscamos referências, (…), pensamos melhor quando criamos referências e canalizamos todas as nossas insatisfações em símbolos que ao mesmo tempo explicam como as coisas devem ser e por que elas ainda não são. É muito mais fácil pensar de maneira dualista e, portanto, polarizada, pois, compreendemos o mundo a partir a lógica de que ‘se não é preto só pode ser branco’ e assim, criamos respostas para tudo e atribuímos sentido ao estado de coisas tais como elas se apresentam” (http://unesp.br/semdiplomacia/opiniao/2014/37).
As últimas eleições estaduais e municipais demonstraram o fortalecimento estrondoso da oposição e a composição de forças que dava equilíbrio ao PT no processo de polarização alterou-se, alimentada pela negação ao partido de Lula, acabando por desdobrar-se em um novo quadro de forças políticas, com a predominância, portanto, do PSDB. Ao mesmo tempo, o recorde de votos brancos e nulos também demonstraram a falta de opções ao eleitor e um iminente vazio político que cada vez mais acomodado pela oposição.
Diante deste novo cenário, mesmo com as tentativas de barrar a Operação Lava-Jato por parte da classe política que agora ocupa o poder continuam, da direita à esquerda, a ideia da intervenção do judiciário na dinâmica e composição política torna-se cada vez mais endossada pela opinião pública que, aguarda atentamente as punições severas aos culpados. Deste modo, o judicialismo na política brasileira ganha cada vez mais espaço diante da constatação prosaica de que o universo da política, independente da legenda partidária, é sórdido e tende muito mais à vícios do que virtudes. Torna-se cada vez mais comum na cena pública o fortalecimento do judiciário com a ampliação de sua dimensão política, suprindo os vazios que deveriam ser preenchidos pelos partidos políticos.
Sara Toledo é pesquisadora em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC – SP).