Venezuela: à espera de um milagre de Francisco
A realidade venezuelana é complexa em demasia para acreditar que somente uma possível queda de Maduro seja suficiente para pacificar o país
por Carolina Silva Pedroso*
Após o estopim de mais uma crise política e institucional na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro, que fazia um giro pelo Oriente Médio, surpreendeu a todos ao decidir visitar o Vaticano. Embora essa atividade não estivesse prevista ou tivesse sido anunciada com antecedência, o mandatário venezuelano recorreu à Santa Sé e à usual disposição do papa Francisco em “construir pontes” para tentar buscar uma solução pacífica para o impasse. A Igreja mobilizou Claudio María Celli para intermediar a conversa entre as partes, que teve início no dia 30 de outubro na Isla Margarita.
O pontífice, por sua vez, demonstrou preocupação com a situação venezuelana e assinalou que esperava que o diálogo nacional fosse sincero e conduzido em favor dos mais empobrecidos, que são as vítimas dos problemas econômicos do país. A despeito de ser uma realidade calamitosa, a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, a CEPAL, declarou recentemente que não se pode afirmar que a Venezuela vive uma crise humanitária, ainda que esse mote venha sendo utilizado indiscriminadamente por grupos contrários a Maduro e por boa parte da mídia nacional e internacional. Alicia Barbacena, secretária-executiva da CEPAL, no entanto, ressaltou que a organização, bem como todo o entorno regional, devem trabalhar em conjunto para garantir a reativação da economia venezuelana e, assim, garantir a recuperação dos bons índices sociais de que o país gozava até 2012.
Percebe-se, portanto, que o que move a ajuda internacional é o bem-estar da população mais vulnerável, que diante de uma disputa política nunca antes vista na Venezuela, acabou tornando-se o bode expiatório de dois grupos que competem pela hegemonia do poder. O esforço pelo diálogo, empreendido por atores internacionais como o Vaticano e a União de Nações Sul-Americanas (UNASUL), não parece ter tanto vigor quando se analisam as declarações de representantes dos dois polos de poder. Apesar de a Mesa de Unidad Democrática (MUD) afirmar que há viabilidade para a negociação e já ter participado das primeiras conversações, Henrique Capriles (Primero Justicia), candidato derrotado das duas últimas disputas presidenciais, bem como o partido de Leopoldo López (Voluntad Popular), político preso desde 2014, acham que Maduro está disposto até a “enganar” o papa e não demonstram qualquer tipo de confiança no processo de diálogo. A própria base governista chega com dificuldades de coesão, pois parte da esquerda tem se mostrado bastante crítica à presidência de Maduro e o líder do Gran Polo Patriotico, coalizão partidária que tem dado sustentação ao chavismo, Eustoquio Contreras, não crê que o atual governo seja capaz de levar adiante os pressupostos da Revolição Bolivariana, sendo o responsável pela vitória eleitoral da oposição em dezembro último.
Mesmo considerado por muitos como “natimorto”, o diálogo já apresentou avanços dignos de nota. Ademais do representante do Vaticano, a UNASUL manteve a representação diplomática, em exercício desde 2015, composta por lideranças ibero-americanas. Ainda que não tenha contado com a adesão de toda a oposição, como o Partido Voluntad Popular, estiveram presentes negociadores da MUD, Primero Justicia, Un Nuevo Tiempo (UNT) e Avanzada Progresista (AP). Do lado governamental, foram deslocados quadros diplomáticos importantes como a chanceler do país e o ex-vice presidente e deputado pelo Partido Socialista Unido de Venezuela (PSUV), Elías Jaua.
O consenso construído até agora é em torno da necessidade de discutir quatro pontos considerados fundamentais, que foram divididos em mesas de trabalho, coordenadas, cada qual, por um mediador internacional. A primeira delas é sobre “Paz, respeito ao estado de direito e soberania nacional”, a cargo do ex-chefe de Estado espanhol Luis Rodríguez Zapatero; ao representante pontifício coube a coordenação das discussões sobre “Verdade, justiça, Direitos Humanos, reparação às vítimas e reconciliação”; já os ex-mandatários Leonel Fernández (República Dominicana) e Martín Trojillos (Panamá) ficaram responsáveis, respectivamente, pelos temas “econômico e social” e “construção de confiança e cronograma eleitoral”. Em todas as mesas haverá membros e assessores da oposição e do governo. Ainda que a instalação da mesa não tenha acalmado os ânimos no país, até por conta de movimentos dissidentes que preferem manter-se nas ruas para marcar posição, esses avanços anunciados após o primeiro dia de conversas podem sinalizar para um desfecho menos sombrio para o país. De todo modo, vale recordar que no decorrer de sua história, grandes manifestações populares na Venezuela se caracterizam pela intensidade e uso desmedido de violência por todos os lados. Assim como em 2014, em que a repressão policial foi acompanhada de forte violência advinda dos grupos de oposição armados, em 2016 já foi contabilizada a morte de um oficial da polícia atingido por disparos da oposição. Por este motivo, o sucesso desta mesa de negociação capitaneada pela Igreja do papa Francisco é essencial para que o conflito político não se transforme em uma guerra civil.
A realidade venezuelana é complexa em demasia para acreditar que somente uma possível queda de Maduro seja suficiente para pacificar o país. Assim, resta aguardarmos os próximos boletins da Isla Margarita e torcer para que a moderação de Francisco seja capaz de operar um milagre.
*Carolina Silva Pedroso é Mestre e Doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), especialista em Venezuela do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP e docente da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação de São Paulo.