Pede-se o favor de não mexer nas regras do jogo!

Infelizmente, o governo Temer iniciou com a repetição de velhos vícios da política brasileira

por Sérgio Mauro*

Ontem, o ministro Henrique Meirelles, refletindo sobre a necessidade urgente de reformas na Previdência, declarou publicamente que achava compreensível alguém querer se aposentar aos 54 anos, depois de 35 anos de trabalho (e de contribuição previdenciária), mas advertia para o fato de que talvez seja melhor aposentar-se mais tarde e garantir que o Estado possa continuar pagando aos aposentados do que aposentar-se “cedo” e não ter garantias de continuar recebendo proventos de aposentado. Na verdade, embora o raciocínio do ministro seja limpidamente lógico, não resiste a uma análise minimamente aprofundada e despida de partidarismos ou de nuvens sombrias ideológicas.

As boas famílias costumam ensinar às crianças que é preciso respeitar as regras do jogo que são reveladas antes do início da brincadeira, para evitar protestos e brigas. Quando um trabalhador ou funcionário, público ou não, assina um contrato, sabe também que receberá como “prêmio”, após tantos anos de trabalho e após certa idade pré-estabelecida, o repouso pelo resto da vida que lhe será garantido pelo Estado mediante o salário da aposentadoria. Todos os meses há um desconto no seu salário e os recursos são, ou deveriam ser, depositados numa espécie de “poupança” administrada pelo governo. Isto ocorre na maioria dos países mais industrializados do mundo. No entanto, quando as regras que eram do conhecimento do trabalhador mudam no meio do caminho, postergando o máximo possível uma aposentadoria que lhe foi garantida no início da “brincadeira”, o Estado se comporta como o pior pai (ou mãe) possível, que não ensina regras nem a necessidade de respeitá-las, colocando empecilhos na caminhada de um cidadão em direção à velhice, que deveria constituir um período de merecido repouso.

Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

O argumento de que não há mais dinheiro em caixa não convence e não se sustenta em qualquer forma de administração, pública ou privada. O saldo negativo deveria ser apresentado não aos subordinados que vendem a sua força de trabalho em troca de um salário, mas aos diretamente responsáveis pela má conduta e pelos desvios na administração que levaram a empresa (ou o Estado) à falência. Se um pai de família gastar irresponsavelmente o salário em bebidas e jogos, levando a família à ruína, a culpa toda recairá sobre ele, que será implacavelmente tachado de bêbado e de mau- caráter. Com os governantes, porém, o processo é outro, pois cinicamente apresentam as contas a pagar aos contribuintes, deles exigindo que deixem de se aposentar ou que paguem mais e mais impostos. O Estado, portanto, deseduca e desvirtua, a todos tratando como imberbes imaturos e irresponsáveis, não lhes dando a possibilidade de traçar o próprio destino.

Infelizmente, o governo Temer iniciou com a repetição de velhos vícios da política brasileira. Não basta dizer que a culpa da bancarrota do país deve ser atribuída a governos anteriores. Se culpa houve, precisa ser apurada o mais rápido possível e, sobretudo, todo o dinheiro necessário para sanar as contas governamentais deveria ser procurado nas gordas contas bancárias de quem espoliou o país nas últimas décadas. Se uma empresa vai à falência, ou se um devedor não salda as suas dívidas com o banco ou com o comércio, seus bens, caso ele os possua, podem ser confiscados. Se governantes anteriores não souberam administrar ou gastaram mais do que deviam, a conta final é apresentada aos que têm menor possibilidade de defesa e menor capacidade de contra-ataque.  Onde está a lógica desse procedimento?

O ministro Meirelles que, com grande serenidade e com aparente resolução, pretendeu desfazer o castelo de areia de quem “ousa” aposentar-se aos 54 anos, incorreu, na verdade, num discurso viciado e capcioso, em nada acrescentando ao dejà vu da cena política brasileira. Está na hora, enfim, de pôr um basta na interferência do aparelho estatal na vida dos cidadãos honestos. A solução final para a cobrança dos impostos seria apenas uma: não cobrar mais impostos ou passar a cobrá-los apenas quando houver garantias de que as regras não serão alteradas de acordo com a direção dos ventos. A riqueza que se produz deve permanecer com quem a produziu e não com quem, sem ser convidado, dispôs-se a administrá-la.

Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.

Deixe um comentário