As respostas, nada conclusivas e não definitivas, deveriam ser procuradas na própria raiz da democracia
por Sérgio Mauro*
Por que tantas denúncias seguidas de corrupção? Por que tantas idas e vindas, renúncias e novas escolhas de ministros? Se observarmos bem, sobretudo nos últimos dez anos, nunca se denunciou tanto e nunca foi tão difícil mudar os rumos do país e finalmente conduzi-lo ao desenvolvimento e à convivência harmoniosa e civilizada entre os cidadãos. Por quê?
As respostas, nada conclusivas e não definitivas, deveriam ser procuradas na própria raiz da democracia. Protestar e insultar políticos, se não for seguido de atitudes concretas e operativas, equivale a xingar o juiz nos campos de futebol. Trata-se apenas de um desabafo que normalmente só interessa aos que detêm o poder, habituados a esperar a calmaria que normalmente se segue à gritaria, ou ao assentamento da poeira depois do vendaval. Que ninguém se iluda: os protestos nas ruas e os desabafos nas redes sociais, por si só, não levam a lugar algum, dando apenas a ilusória sensação de que estamos comandando os rumos da nação ou de que estamos derrubando os muros que separam os cidadãos comuns dos “especiais”.
A revogação da prisão de Garotinho, depois do espetáculo bizarro repetidas vezes mostrado pela televisão em que o ex-governador do Rio parecia estar ensaiando uma paródia da atriz Linda Blair em “O Exorcista”, corrobora as afirmações do parágrafo anterior. O que de concreto vai mudar após a prisão inédita e simultânea de dois ex-governadores de um mesmo estado brasileiro? Nada, ou quase nada. A tendência é o esquecimento, como se o espetáculo midiático fosse um intenso prazer, um gozo, mas depois sobrevém o torpor ou quase uma sensação de enjoo ou nojo.
Com isto não se quer afirmar que é inútil denunciar ou pôr a boca no trombone. É preciso atentar, porém, para o uso que a “máquina midiática” faz do escândalo: o que seria de jornais, revistas, programas de televisão e redes sociais sem o “bafão”, sem as separações e as supostas traições entre artistas populares ou jogadores de futebol, sem os escândalos de roubalheira e sem as maquinações políticas cuja difusão é “legalmente permitida” pelos governantes (ou não, em certos casos)? Certamente é o escândalo que alimenta os meios de comunicação que, cá e lá, concedem algum espaço, como se acometidos de um profundo remorso, a uma programação chamada de “cultural”.
O paralelo que se pode estabelecer para compreender a disseminação do “gossip” democrático na mídia é certamente com a história da ciência e, sobretudo, da tecnologia. Será que precisamos realmente de toda a parafernália tecnológica que diariamente nos cerca? Alguns “aparelhinhos”, assim como alguns remédios, certamente melhoram e até salvam vidas, mas a imensa maioria é perfeitamente dispensável, servindo apenas para alimentar o processo de geração de riquezas e empregos que, inevitavelmente, também gera excluídos e miséria. Do mesmo modo, boa parte dos jornais e canais de televisão, como também algumas redes sociais da internet, não teriam razão para existir não fosse a necessidade mórbida do escândalo cotidiano que, quando imerso no mundo da política, é confundido com o verdadeiro comportamento democrático;
O verdadeiro espírito democrático começa em casa, no seio familiar. Se ensinarmos aos nossos filhos a tolerância e o respeito em vez de incentivarmos apenas a cobiça desmesurada e o “struggle for life” a todo custo, estaremos contribuindo para formar gerações que não mais dependerão de uma estrutura social que pode ou não punir, de acordo com a menor ou maior capacidade de esperteza e engano, de menor ou maior chance de cair nas redes das leis que vigiam e punem. A verdadeira democracia não é alimentada pela execração pública e midiática de figurões ou de líderes, mas pela discussão saudável de soluções para os reais problemas do país que deve ser realizada em todos os níveis e em todos os ambientes, no familiar e no escolar, no religioso e no convívio social em geral.
Esperar pelo próximo escândalo pode aumentar a riqueza de que detém o monopólio da transmissão de informações, mas em nada contribui para o exercício democrático. Em vez de ficar à espera do próximo Garotinho ou Cabral, do próximo Calero ou Geddel, tratemos de arregaçar as mangas e olhar para os problemas que estão bem próximos de nós, em casa ou no bairro, na escola ou no ambiente de trabalho, evitando apenas a catarse coletiva midiática, que sempre nos dá a falsa sensação do já denunciado e, portanto, do já resolvido.
Sérgio Mauro é professor da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp de Araraquara.