Nesse contexto, vale ressaltar as dificuldades internas pelas quais a Venezuela vem passando recentemente.
André Leite Araujo*
Em decisão inédita nos 25 anos do Mercado Comum do Sul, os Ministros de Relações Exteriores dos 4 Estados fundadores – Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai – assinaram a suspensão da Venezuela, a ser entregue hoje à chanceler Delcy Rodríguez. Esta é Estado-parte do bloco, assim como os outros 4 membros, desde 2012, e é acusada de não haver incorporado todo o acervo normativo do Mercosul e, portanto, descumprir as regras necessárias para sua participação, após o prazo de 4 anos desde sua adesão.
Com elementos intergovernamentais, as normas formuladas no plano internacional não são incorporadas automaticamente aos ordenamentos jurídicos nacionais. Mas sim devem ser enviadas aos respectivos poderes legislativos e executivos para discussão e aprovação, nos trâmites internos, assim como é feito com as demais políticas públicas. Sendo assim, são processos que podem demorar e sofrerem oposições por grupos com interesses distintos, como os partidos de oposição à coalizão governista, por exemplo.
Nesse contexto, vale ressaltar as dificuldades internas pelas quais a Venezuela vem passando recentemente. No âmbito político-institucional, destacam-se as relações entre Executivo, Judiciário e Legislativo que, após a eleição de maioria parlamentar contrária ao governo de Nicolás Maduro, vêm questionando as atribuições dadas a cada um dos Poderes. Com paralisia decisória e notáveis confrontos, inclusive armados, entre as forças políticas venezuelanas, a situação é agravada pela queda dos preços internacionais do petróleo. Em um país com pauta de exportações pouco diversificada e fortemente dependente desse produto, a variação aprofundou sua crise econômica.
O cenário de instabilidade interno é somado ao contexto regional, no qual a aproximação das relações entre Cuba e Estados Unidos afetam uma parceria estratégica entre Havana e Caracas, contribuindo ao seu isolamento internacional. Paralelamente, as eleições de governos de direita na Argentina, no Paraguai e no Peru, além da mudança de poder no Brasil, criaram uma conjuntura desfavorável para a sustentação do governo da Venezuela. Também são atores que, com outros projetos internacionais de inserção econômica e política, buscam projetar-se de modo separado da estratégia desenvolvida pela política externa venezuelana, nos últimos anos. Pode-se ilustrar pelo fato de 4 dos 5 membros permanentes do Mercosul não haverem aceitado que Caracas assumisse a presidência rotativa da instituição, em julho deste ano. Assim, Assunção, Brasília, Buenos Aires e Montevidéu decidiram estabelecer uma “presidência compartilhada” até o final de 2016, quando passariam o cargo à Argentina. Desse modo, ao longo do semestre, com frágil institucionalidade, houve duas presidências paralelas do Mercosul que não se reconheciam como legítimas.
Entre 2012 e 2013, o Paraguai foi o primeiro país a ser suspenso, sem direito a voz, voto nem veto, pela ruptura da ordem democrática, em descumprimento à Cláusula Democrática do Mercosul. Nesse momento, a Venezuela, então presidida por Hugo Chávez, foi formalizada no bloco, após um processo de adesão de 6 anos (o único concluído até a atualidade), com o compromisso de adequar-se à prévia institucionalidade do arranjo regional, respeitando os prazos e a compensação de assimetrias entre os membros. No entanto, a incorporação de todas as regras não foi feita por nenhum membro, inclusive o Brasil, o que demonstra a existência de outras motivações para esse movimento.
André Leite Araujo é mestrando pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais “San Tiago Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP) e pesquisador do Observatório de Regionalismo.