A transição monetária na Venezuela
No entanto, até mesmo apoiadores do governo defendem que as políticas públicas na Venezuela precisam sair do estágio de improvisação
por Carolina Silva Pedroso*
Nos últimos dias, o governo venezuelano conseguiu resgatar cerca de 70% das notas de 100 bolívares que estavam em circulação, o que não foi o bastante para garantir uma transição sem sobressaltos para os novos valores de 500, 1.000, 2.000, 5.000, 10.000 e 20.000. O grande problema foi a falta de sintonia entre o recolhimento das notas antigas e a distribuição das novas, que estão sendo produzidas na Suécia e não chegaram a tempo. Segundo o presidente Maduro, os aviões fretados para transportar as notas foram impedidos de sobrevoar espaços aéreos de alguns países, em um suposto movimento de sabotagem internacional, fazendo com que não cumprissem o cronograma previsto. No entanto, até mesmo apoiadores do governo defendem que as políticas públicas na Venezuela precisam sair do estágio de improvisação. Nesse caso, as notas de 100 bolívares foram retiradas de circulação sem que as novas já estivessem prontas para entrar na economia e, sem um plano de contingência, o governo precisou recuar diante de distúrbios, saques e outros episódios problemáticos que marcaram o primeiro fim de semana desta medida.
Para amenizar a situação, as notas tiveram seu valor restituído até 02 de janeiro de 2017, mesmo prazo para que a abertura das fronteiras com a Colômbia e o Brasil seja restabelecida. Desta forma, pretende-se prorrogar o tempo-hábil de transição monetária e seguir controlando os fluxos cambiais nas fronteiras, onde o câmbio ilegal continua ocorrendo. Para o Conselho Nacional de Comércio e Serviços da Venezuela, o Consecomercio, o novo prazo ainda é insuficiente para restabelecer a normalidade da economia e muitos empresários e comerciantes seguem receosos com a possibilidade de novos saques e destruição de seus patrimônios.
A medida, em si, foi pouco criticada pela oposição, que também estava de acordo com a necessidade de facilitar as transações cotidianas, tendo em vista que a inflação altíssima obrigava as pessoas a carregar quantias vultosas de dinheiro, o que além de incômodo, traz ainda mais insegurança em um país cujos índices de violência são alarmantes. No entanto, já se antevia uma dificuldade de colocá-la em prática e possíveis transtornos. Se em um contexto menos explosivo esse processo já demandaria uma condução cautelosa e uma campanha de esclarecimento bastante didática, em um país em que a degradação da economia aumenta a sensação de insatisfação e revolta era preciso ainda mais cuidado e eficiência.
Outro fator que torna a situação mais dramática é que o nível de disputa política na Venezuela ultrapassa as barreiras da razoabilidade, sendo recorrentes os episódios de boicote por parte de um grupo mais radical de oposição. Esse somatório de elementos – o alto grau de ineficiência do governo, por um lado, e a disposição de algumas alas oposicionistas de travarem qualquer tentativa de melhoria das precárias condições de vida no país, de outro – demonstram que não é possível analisar qualquer acontecimento na Venezuela sob uma óptica simplista e maniqueísta. Com os entraves no processo de diálogo entre governo e oposição, a possibilidade de uma distensão que permita uma saída digna para a grave crise parece cada vez mais distante.
Carolina Silva Pedroso é Mestre e Doutoranda em Relações Internacionais pelo programa San Tiago Dantas (UNESP, UNICAMP e PUC-SP), pesquisadora do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais da UNESP e professora da Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação de São Paulo.