O caos do sistema botucatuense deixa claro que o transporte é uma necessidade essencial e que o cidadão não pode viver da ditadura do mercado
por Érick Facioli*
Os últimos acontecimentos relatados pela imprensa relacionados ao transporte público em Botucatu revelam que a situação é muito mais grave do que nos fizeram acreditar. No passado, nos venderam a ideia que a solução era o fim do monopólio e a divisão do sistema entre duas empresas.
Ledo engano. Nem se acabou com o monopólio – já que nunca houve concorrência entre as empresas – e muito menos atingiu-se a qualidade mínima que o usuário espera. O sistema de transporte público em Botucatu é obsoleto, com linhas imensas, que desprezam conceitos mínimos de logística.
Tenho defendido que o transporte público, assim como a saúde e educação, é um direito do cidadão, até porque estamos submetidos a uma carga descomunal de impostos que deveriam ser utilizados em favor do bem comum. E é sim, obrigação do Estado fazer isso, ignorando os ideais liberais em moda que pregam o livre mercado e o fim dos direitos sociais, principalmente dos menos favorecidos. Bastando para tanto boa vontade e criatividade.
O primeiro passo é a construção de um sistema mais inteligente. Proponho a implantação de pequenos terminais, que se interliguem e acessem linhas mais curtas em direção a todos os bairros da cidade. Assim, o usuário pode se deslocar em qualquer ponto da cidade, o que hoje não é possível com as poucas linhas imensas que cortam o município.
Com o serviço logisticamente bem estruturado – é obvio que tal proposta carece de estudos mais profundos – partimos para o segundo passo, que é a implantação progressiva do transporte público gratuito. A Prefeitura assume a operação e execução do sistema, montando uma estrutura própria, assim como já faz com o transporte de alunos com uma frota de mais de 70 veículos.
Os recursos para manutenção do sistema viriam do orçamento do município, com a redução dos gastos com cargos comissionados, aluguéis, terceirizações e aditamentos de contrato que poderiam significar uma economia de mais de R$ 20 milhões anuais, custo aproximado do serviço.
Além disso, poderia ser criado um fundo específico para o transporte público, que receberia recursos da Zona Azul – que voltaria a ser operada pelo município -, de uma parcela do IPTU, da captação externa de recursos junto aos governos Estadual e Federal e de organismos privados nacionais e internacionais. No caso do IPTU, um estudo encomendado pela Prefeitura revela que somente com a atualização das plantas dos imóveis seria possível uma arrecadação extra de R$ 4 milhões.
Em 2001, quando a Prefeitura começou a fazer asfalto sem cobrança de taxa extra, muitos disseram que isso era inviável. Os anos se passaram e hoje nenhum prefeito tem mais a coragem de dizer que vai cobrar o asfalto da população.
O caos do sistema botucatuense deixa claro que o transporte é uma necessidade essencial e que o cidadão não pode viver da ditadura do mercado, que se pauta somente pela redução dos custos e aumento dos lucros.
*Érick Facioli é jornalista e professor universitário, pós-graduado em Gestão de Cidades e mestrando em Saúde Coletiva