Infelizmente os piscinões se tornaram um modismo técnico em todo o país, quando se trata de programas de combate às enchentes.
por Patrícia Shimabuku*
Segundo a notícia publicada pela assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal de Botucatu, PMB, em 31/08/2011, titulada como: “COM MAIOR CONVÊNIO DA HISTÓRIA, BOTUCATU GANHARÁ ‘PISCINÕES’ PARA AMORTIZAR ÁGUAS DAS CHUVAS”, cito: “Há aproximadamente um ano, imagens de um homem e uma motocicleta sendo arrastados pelas águas das chuvas, em plena Rua Tenente João Francisco, na Vila dos Lavradores, ganharam repercussão nacional através de telejornais e internet. Mas situações semelhantes a essa estão prestes a ficarem apenas na memória da população botucatuense. E foi justamente numa quarta-feira [31] chuvosa que o Município assinava seu maior contrato com o Governo Federal: o Termo de Compromisso para execução de obras de macrodrenagem urbana viabilizadas através do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) 2” (…) “Serão investidos R$ 39.807.839,44, que virão do Orçamento Geral da União e serão repassados ao Município a fundo perdido para a implantação de reservatórios de amortecimento das águas nos córregos Lavapés [área ao lado da Rodovia Gastão Dal Farra]; Água Fria [área localizada na bifurcação entre as ruas Joaquim Marins e da Amizade, região do bairro Recanto Azul]; Cascata [terreno ao lado do Residencial Spazio Verde, defronte à Rodovia Marechal Rondon]; Antártica [área defronte ao final da Rua 1º de Maio]; e Tenente [próximo ao Conjunto Habitacional Amando de Barros Sobrinho, na região da Vila Cidade Jardim]” (…).
Separamos outro trecho na íntegra, da notícia publicada pela assessoria de imprensa da PMB, em 15/07/2016, titulada como: “PREFEITURA DE BOTUCATU REALIZARÁ AUDIÊNCIA PÚBLICA PARA DISCUTIR IMPLANTAÇÃO DE ‘PISCINÕES’”: “O projeto elaborado pela Prefeitura em 2009 e aprovado pelo Governo Federal, prevê a construção de cinco piscinões, para a implantação de reservatórios de amortecimento das águas nos córregos Lavapés, Água Fria, Cascata, Antártica e Tenente, evitando alagamentos em pontos que há décadas são considerados críticos. Os recursos para execução das obras serão liberados, a fundo perdido, pelo Governo Federal através do PAC 2”.
ALGUMAS PERTINENTES QUESTÕES PAIRAM NO AR!
Será que de fato, estas mega obras resolverão o problema de drenagem em Botucatu? Quem elaborou estes projetos? Quais critérios técnicos foram utilizados para a alocação destes piscinões nos pontos em que se encontram nas redes hidrográficas em questão?
No entanto, para o entendimento sobre as consequências da implantação de ‘piscinões’ como medida corretiva para os problemas de drenagem urbana ineficiente, entrevistamos o Professor Álvaro Rodrigues dos Santos (geólogo formado pela USP, pesquisador V Sênior pelo IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, ex-Diretor de Planejamento e Gestão do IPT e ex-Diretor da Divisão de Geologia Aplicada, Consultor em Geologia de Engenharia, Geotécnica e Meio Ambiente – Criador da técnica Cal-Jet de proteção de solos contra a erosão e Diretor-presidente da ARS Geologia Ltda.). Professor Álvaro, a muito se fala nos “piscinões” aqui em Botucatu, como a solução de problemas de enchentes urbanas e inundações. É possível indicar piscinões, como solução única dos problemas de drenagem urbana, sem entender a questão da impermeabilização dos solos e dos aclives/declives?
Infelizmente os piscinões se tornaram um modismo técnico em todo o país, quando se trata de programas de combate às enchentes. O piscinão, nome popular do RESERVATÓRIO DE DETENÇÃO DE ÁGUAS DE CHUVA. É o conhecido no mundo todo e cumprem uma lógica hidráulica correta: são grandes “buracos” escavados, para os quais as águas de um córrego são desviadas, em um momento de alta pluviosidade. Passado o período de risco, as águas desses reservatórios são devolvidas aos córregos. Porém, ainda que, uma obra de correta lógica hidráulica pelos grandes problemas e transtornos que trazem para as cidades os piscinões, DEVE ESTAR ENTRE AS ÚLTIMAS ALTERNATIVAS A SE LANÇAR MÃO NO COMBATE ÀS ENCHENTES, E NÃO A PRIMEIRA COMO COMERCIALMENTE ESTÃO SENDO IMPINGIDOS EM NOSSO PAÍS. O grande problema é que as cidades brasileiras, via de regra, apresentam duas características gravíssimas, a enorme e perigosa carga de poluição de suas águas superficiais e a fantástica carga de sedimentos, originados especialmente da erosão, nas zonas periféricas de expansão urbana que, acrescidos de lixo e entulho de construção civil, acabam por assorear e entulhar todo o sistema natural e construído de drenagem, e claro, os piscinões.
Os aspectos negativos associados aos piscinões podem assim ser sistematizados e descritos: (1) são obras de elevado custo, considerada a obra propriamente dita, as desapropriações necessárias à sua implantação sua operação e sua manutenção; (2) boa parte do material de assoreamento produzido nas sub-bacias hidrográficas, em episódios de chuvas intensas, passará a se depositar nos reservatórios, inclusive um grande volume de sedimentos finos (siltes e argilas) que antes, sem a nova condição de lago (águas paradas), seriam normalmente levados em suspensão pelas águas correntes; acresça-se que um piscinão assoreado por sedimentos e lixo tem seu volume útil comprometido, assim como, portanto, sua capacidade de colaborar no controle de enchentes em episódios pluviométricos subsequentes; (3) as operações de desassoreamento desses reservatórios são de total responsabilidade dos municípios, normalmente, despreparados financeira e fisicamente para esta complexa e exigente operação; (4) tanto as águas a serem retidas, como o material de assoreamento e o lixo que se depositarão nos reservatórios, propiciarão a ação direta e mais prolongada do mau cheiro, proliferação de insetos e animais e de sua perigosa carga químico-biológica poluente no âmbito da região urbanizada de entorno, implicando em riscos evidentes de possíveis contaminações e acidentes; (5) para a disposição final do material proveniente do desassoreamento (limpeza) dos piscinões será natural à necessidade econômica, de se encontrar local adequado próximo, o que exige lidar-se com cuidados técnicos e operacionais específicos e dispendiosos para que esses resíduos não venham a contaminar solos, o lençol freático ou diretamente a população; (6) a implantação dos piscinões e dos depósitos de resíduos proveniente das operações de desassoreamento ocuparão e imobilizarão preciosas áreas urbanas que poderiam ser destinadas ao atendimento de necessidades e aspirações da população local em educação, lazer, qualidade ambiental, moradias, esporte etc.
Por fim, resta saber se o Poder Público Municipal, através de suas Secretarias Municipais relacionadas aos ‘Piscinões’ levará a discussão, em Audiência Pública, os “Estudos e a Propostas Técnica e Financeira deste Projeto”, obedecendo ao rito processual de organização de Audiência Pública, previsto em Lei? Irá considerar os apontamentos técnicos e científicos das Entidades Ambientalistas e Profissionais Técnicos locais, estaduais e nacionais? Os insucessos decorrentes da implantação de projetos como os dos ‘piscinões’ são muitos e, as consequências ambientais, sociais e orçamentárias podem ser desastrosas. As grandes decisões que afetam toda a cidade, deve ser discutida e compreendida com toda a cidade.
* Patricia Shimabuku é farmacêutica industrial, professora e ativista socioambiental.