OPINIÃO | Urbanização contemporânea: obsoleta, limitada e pouco sustentável

Se a pavimentação é um projeto inevitável, será o asfaltamento clássico, a única técnica para atingir os desejos dos munícipes?

por Patrícia Shimabuku*

As decisões que envolvem o planejamento, a ocupação e a expansão das cidades são desafiadoras e complexas. “Urbanizar um território” para receber novos moradores ou melhorar a qualidade de vida dos residentes, deverá considerar alguns parâmetros durante as etapas (elaboração/execução) dos projetos de urbanização. O monitoramento, registros e análise da pós-ocupação e implantação das obras são cruciais para o gerenciamento municipal.

Característica marcante (identidade) da urbanização e reivindicação de todo e qualquer munícipe (de qualquer cidade, de qualquer lugar do mundo), é a pavimentação clássica não sustentável (asfalto comum). O asfalto, sob a ótica simplista e limitada, é sinônimo de qualidade de vida e progresso, pois soluciona as condições precárias de tráfego, transtornos provocados por poeira e lama, e facilita os serviços públicos (como por exemplo: coleta de resíduos sólidos urbanos e transporte coletivo) e, em alguns casos “melhora a estética” da paisagem.

Se a pavimentação é um projeto inevitável, será o asfaltamento clássico, a única técnica para atingir os desejos dos munícipes? A gestão municipal e os responsáveis técnicos do projeto possuem uma leitura e entendimento da paisagem geográfica de sua cidade com um diagnóstico assertivo?

O asfaltamento clássico altera profundamente as dinâmicas do ciclo hidrológico (impermeabilização do solo), diminuindo a infiltração e aumentando o escoamento superficial das águas pluviais, alterando também, o comportamento hidrológico das bacias/microbacias hidrográficas. Com o aumento do escoamento, as consequências serão as enchentes e as inundações urbanas e, dependendo das características geográficas e modo de ocupação territorial, tem-se o aparecimento de deslizamentos de encostas, processos erosivos, ravinas e voçorocas. As águas provenientes do escoamento superficial terão um caminho a seguir, através de ductos superficiais/subterrâneos (com/sem equipamentos de dissipação de energia hidráulica) para os córregos do entorno. E aí, tem-se a modificação na capacidade de vazão da rede hidrográfica, que será revelada através do solapamento de margens, processos erosivos, assoreamento e destruição de matas ciliares, comprometendo também, as atividades econômicas e a fauna dependentes desta rede.

Outra alteração proporcionada pelo asfaltamento clássico (associado às edificações e a ausência/mínimo de vegetação, arborização) está relacionada ao aumento da temperatura local (microclima), isto é, quanto maior a densidade de edificações, ocupação territorial e atividades antrópicas, consequentemente, maior serão a captação e difusão da radiação solar com menor ventilação no ambiente climático urbano. Desta forma, a temperatura de superfície contribuirá, efetivamente, para o aquecimento da temperatura do ar ao nível do solo (ilhas de calor).

Como se já não bastassem os parâmetros supracitados, as consequências da técnica de asfaltamento clássica associada à destinação inadequada de resíduos sólidos urbanos tem-se, também, o agravamento das arboviroses. As águas pluviais que no “ciclo hidrológico natural” sofreriam infiltração, no ambiente urbano, estarão sujeitas ao escoamento superficial,  que poderão ficar armazenadas nos lixos, favorecendo a proliferação do mosquito Aedes aegypti. Mosquito que encontrou no ambiente urbano, condições favoráveis para o seu ciclo de vida e, sem predador natural, uma vez que, a ocupação territorial desordenada em áreas verdes, comprometeu significamente o equilíbrio ecológico. Sendo assim, o asfaltamento clássico tem reflexos negativos que vão além da esfera da infraestrutura urbana, conservação ambiental e orçamentária, atingirá também, a esfera da saúde pública (promoção de saúde coletiva) municipal, estadual e federal além, dos aspectos ocupacionais como licenças médicas e ausências nas atividades escolares.

Por fim, o processo de urbanização contemporâneo desconsidera as premissas do desenvolvimento sustentável, através do processo de conversão e adaptação do meio físico natural para o assentamento humano com a visão simplista, exploradora, limitada de curto prazo.  O modelo de gestão municipal de hoje “vai ser sentido amanhã”, mas o que deixarmos de fazer hoje, vai ser sentido para sempre. Ficam aqui, as seguintes provocações: qual o modelo de ocupação e urbanização que queremos para as nossas cidades? Quais as dificuldades de efetivar um urbanismo sustentável, inclusivo e inovador? A quem pertencem nossas cidades?

* Patricia Shimabuku é farmacêutica industrial, professora e ativista socioambiental.

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