OPINIÃO | A quem pertence a água?

A água não é moeda de troca. A água depois/juntamente com “ar” é outro fator necessário para a sobrevivência humana

por Patrícia Shimabuku*

Segundo a Constituição Brasileira em seu artigo 20, item III, assim responde: “são bens da União: os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio, ou que banhem mais de um estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais”.

No entanto, o Brasil, como se sabe, possui três esferas de administração: a União, os Estados e os Municípios. E é por isso que a mesma Constituição, no artigo 26, I, estabelece que “incluem-se entre os bens dos estados as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito (…)”.

Já as águas termais e minerais, aquelas que brotam de fontes são consideradas recursos minerais, em razão das propriedades medicinais. E estas, as águas minerais, pertencem à União, assim estabelecido pelo inciso IX, “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”, do artigo 20 da Constituição Federal.

Diante da leitura acima, como fica a questão da possível “privatização” do SAG, Sistema Aquífero Guarani?

Se as legislações vigentes forem respeitadas, não existe qualquer possibilidade de privatização.  Como já mencionado acima e também no Código das Águas (Lei Federal n° 9.433/97), “as águas são de domínio público, o que não permite qualquer direito de propriedade sobre elas”. No caso das águas subterrâneas estão sob o domínio dos Estados que as abrigam, isto é, cada Estado da federação pode ter uma legislação específica para elas e o Governo Federal não pode interferir. E mesmo que, determinada gestão estadual queira mudar essa situação e tornar os aquíferos passíveis de privatização seriam necessárias mudanças na Constituição, por meio de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC), que neste caso, seria mais um retrocesso vivenciado por nós brasileiros. No caso do SAG, onde muitas cidades utilizam, há anos, suas águas como mananciais exclusivos ou como fonte complementar de abastecimento público seria uma catástrofe anunciada.

Vale mencionar aqui, que a Lei 9.433/97, no seu artigo 12, estabelece que o uso das águas, sejam elas superficiais ou subterrâneas, depende de licença do Poder Público (outorga).  O Estado de São Paulo possui legislação própria, a Lei Estadual 7.663, de 30 de dezembro de 1991, para tratar do tema, assim legisla em seu artigo 10: “dependerá de cadastramento e de outorga de direito de uso a derivação de águas de seu curso ou depósito, superficial ou subterrâneo, para fins de utilização no abastecimento urbano, industrial, agrícola e outros…”

O Decreto Estadual 32.955, de 7 de fevereiro de 1991, também pertinente a presente discussão, assim está redigido no seu artigo 7º: “Cabe ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), a administração das águas subterrâneas do Estado, nos campos de pesquisa, captação, fiscalização, extração e acompanhamento de sua interação com águas superficiais e com o ciclo hidrológico”.

Se não o bastasse, todas as peculiaridades jurídicas apresentadas acima, a água é finito recurso natural, um bem físico “quase sempre em movimento”, assumindo momentos distintos e domínios territoriais diferentes dentro de uma mesma bacia hidrográfica, o que justifica mais uma dificuldade enfrentada pelo gestor público para conciliar os interesses conflitantes de diferentes esferas de poder.

O “Código das Águas” inicia a resolução do desafio do gerenciamento dos recursos hídricos, porém, que a lei não considerou, ou seja, a estrutura federativa e a União não pode ser considerada como o Estado grande, que engloba outros estados menores. 

A principal dificuldade no aspecto da gestão dos recursos hídricos no Brasil é o fato de que a extensão dos aquíferos não coincide estruturalmente com a delimitação das bacias hidrográficas superficiais, pois onde termina a formação estrutural de um recurso começa a do outro, o que leva ao desconhecimento da ocorrência e do potencial dos aquíferos. Se um aquífero transcende os limites estaduais, isso basta para ser considerado de domínio federal. Além disso, eventuais contaminações que podem ocorrer no meio hídrico não ficam restritas ao local do dano, o que é consequência da própria dinâmica das águas. Assim, a poluição de um rio pode atingir as águas subterrâneas interestaduais ou internacionais.

Em outro ponto, é impossível o gerenciamento de bacia interestadual ou federal sem a participação dos estados, já que sobre o território da bacia hidrográfica incidem também as leis estaduais e municipais, o que demanda a mobilização das forças políticas, institucionais, administrativas, técnicas e financeiras desses entes federativos. 

Certamente, a dependência interespacial da água, um quadro legal ineficiente, sobreposição e lacunas institucionais contribuíram para a confusão de situações técnicas e jurídicas. Sendo assim, cabe ao cidadão buscar saber quais os recursos hídricos presentes em seu município, quais as áreas de mananciais, de onde vem a água que abastece sua casa e como está o tratamento de esgoto e os projetos de prevenção de crise hídrica.

A água não é moeda de troca. A água depois/juntamente com “ar” é outro fator necessário para a sobrevivência humana. Em momentos de escassez, de diminuição de disponibilidade ou comprometimento de sua qualidade, poderá ser o “start” para conflitos de guerra entre as nações. Por isso, é de suma importância o entendimento sobre seu gerenciamento e disponibilidade.

E por fim, quais são suas contribuições e sua postura em relação à agua? Sua vida e a vida de seus familiares e descendentes dependem/dependerão dela! Reflita.

Fonte: ConJur e Scientific American Brasil 

* Patricia Shimabuku é farmacêutica industrial, professora e ativista socioambiental.

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