Projeto da Unesp de Botucatu avalia dor e qualidade de vida em animais
Considerada a principal causa do sofrimento animal, a dor não pode ser tratada se não for corretamente identificada
da Assessoria
Aprovado pela Fapesp em dezembro de 2017, o projeto temático “Dor e qualidade de vida em animais”, que reúne colaborações entre a Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, câmpus de Botucatu, e diversas instituições parceiras, deve gerar uma quantidade significativa de conhecimentos sobre alguns dos aspectos mais relevantes do tema.
Considerada a principal causa do sofrimento animal, a dor não pode ser tratada se não for corretamente identificada. Por isso, a importância de métodos ou ferramentas confiáveis para a avaliação precisa da dor e do efeito qualitativo e temporal de analgésicos, seja em animais domésticos ou de produção.
Com prazo de duração até 2022, o projeto temático abrange 31 subprojetos, todos já em andamento, desenvolvidos em parceria com instituições internacionais como: Universidade da Pennsylvania (EUA), Universidade de Ghent (Bélgica), Universidade de Nottingham (Inglaterra), Universidade de Montreal (Canadá), Universidade de Perugia (Itália), Universidade de Montevideo (Uruguai) e Royal Veterinary College (Inglaterra). Dentre as instituições nacionais estão a Universidade Federal do Semiárido –Mossoró-RN, Universidade Estadual do Paraná, Universidade Federal de Goiás e Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, câmpus de Ribeirão Preto.
O que se busca na pesquisa são informações que ajudem a estabelecer métodos simples e confiáveis para a avaliação da dor, aplicáveis tanto em situações experimentais como clínicas, por profissionais com diferentes níveis de experiência, estudantes e, eventualmente, com clareza suficiente para ser utilizada até por leigos. O projeto também foca na investigação de novas estratégias terapêuticas para suprir a terapia antiálgica. Há estudos com equinos, asininos, bovinos, ovinos, caprinos, suínos, felinos, caninos e coelhos. “Temos dois grandes desafios: validar escalas que avaliem a dor e qualidade de vida em animais e tratar a dor aguda e crônica por métodos farmacológicos e não convencionais”, comenta o pesquisador responsável, professor Stélio Pacca Loureiro Luna, do Departamento de Cirurgia e Anestesiologia Veterinária da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Unesp, câmpus de Botucatu, que tem como colaboradores os professores Ana Liz Garcia Alves, também da FMVZ/ Unesp, e Adriano Carregaro, da USP.
Como parte do temático, foi concedido pela Fapesp um equipamento multiusuário de radiografia digital para grandes animais. Portátil e capaz de gerar imagens de altíssima qualidade, deve suprir demandas de várias áreas da FMVZ. A aprovação do temático também compreendeu a concessão de bolsas de pós-doutorado e iniciação científica. “As bolsas de mestrado e doutorado precisam ser solicitadas”, ressalta o professor Stélio, “Mas com o temático aprovado, aumentam as chances para sua obtenção”.
Escalas de dor
As escalas são instrumentos para a identificação e a mensuração da dor. Ao possibilitar a quantificação da intensidade da dor, as escalas auxiliam o médico veterinário a fazer o planejamento de analgesia desejado, optando por um fármaco mais ou menos potente. Quando validadas, as escalas revestem-se de maior confiabilidade, conferindo mais segurança e precisão para as decisões tomadas pelos médicos veterinários. Por meio do temático, os pesquisadores esperam desenvolver novas ferramentas para avaliar a dor em equinos pela linguagem corporal e validar escalas de dor para as espécies asinina, ovina, bovina, caprina e leporina (coelhos).
A validação de uma escala de dor para qualquer espécie animal resulta de um processo bastante complexo. Os animais são filmados por muitas horas, antes e depois das cirurgias. “Nesse período de observação, os pesquisadores elaboram um etograma, que é um relatório detalhado de todos os comportamentos apresentados, que serão observados, analisados e avaliados”, explica o professor Luna. “Cria-se uma escala preliminar que passa por um refinamento, ou seja, é submetida ao crivo de pesquisadores colaboradores que avaliam a relevância das descrições. Na sequência, os vídeos são editados para que apenas trechos curtos sejam avaliados, uma vez mais, por especialistas colaboradores que recebem esse material sem nenhuma informação. Eles não sabem se se referem a vídeos feitos antes ou depois do procedimento cirúrgico. A partir das respostas dos avaliadores é feito um detalhado e complexo estudo estatístico para garantir a confiabilidade das informações que vão figurar na escala”. A modelagem estatística a ser utilizada foi validada em estudos realizados num projeto temático anterior, também coordenado pelo professor Stelio Luna. A metodologia aplicada em tais projetos é considerada como o único instrumento validado disponível na literatura.
Validação clínica
Uma das novidades do temático é a proposta de validar clinicamente as escalas, ou seja, utilizar um avaliador que observa e analisa presencialmente o comportamento do animal. A validação clínica deve abranger escalas de dor em gatos, equinos e bovinos, já validadas experimentalmente em projeto temático anterior. A validação clínica deve aprimorar ainda mais a elaboração das escalas.
Um exemplo da importância desse tipo distinto de validação é o estudo em andamento, feito parcialmente na Universidade da Pensylvannia com a parceria da FMVZ/Unesp, que já atestou que certas espécies, como os cavalos, mascaram a dor presencialmente. As filmagens permitiram ver que cavalos expressam comportamentos característicos de dor quando estão sozinhos e escondem ou disfarçam esse comportamento na presença de um observador. Normalmente, essa alteração de comportamento não ocorre com cães e gatos, espécies já bastante acostumadas à presença humana, mas são frequentes em animais selvagens ou de produção. “É uma ação inata do animal que, em sua leitura genética, sente que ainda pode ser uma presa em potencial e não pode mostrar a um predador que está vulnerável”, explica o professor.
A partir da produção de dissertações e teses de doutorado e pós-doutorado no âmbito do temático, as novas escalas serão traduzidas para diferentes idiomas e disponibilizadas em vídeos gratuitamente num site específico que já está funcionando e no qual já é possível acessar a escala de dor em gatos (www.animalpain.com.br).
Para cada língua há uma validação específica. A escala para dor em gatos desenvolvida pela FMVZ/ Unesp, por exemplo, foi validada em português, espanhol, francês, inglês e italiano e disponibilizada no mesmo site. “É uma forma gratuita e interessante para auxiliar as pessoas de diversos países que querem se capacitar na área”, comenta o professor Stélio.
Paralelamente, pretende-se divulgar amplamente o trabalho na mídia, com a publicação de artigos para leigos, além de artigos científicos em revistas predominantemente internacionais. A divulgação dos resultados também acontecerá em eventos de medicina veterinária realizados em todo o mundo, além de cursos de atualização e oferecimento de disciplinas em programas de pós-graduação das universidades envolvidas nos projetos.
Tratamentos
O desenvolvimento e a validação das escalas de dor representam uma parte essencial do projeto temático. Mas os estudos vão além. A avaliação da dor só terá importância quando os animais se beneficiam dela, com um tratamento adequado e a consequente melhora em sua qualidade de vida. As pesquisas, portanto, também têm como objetivo estabelecer protocolos sedativos e analgésicos precisos mediante modelagem farmacocinética-farmacodinâmica em equinos e cães, além de avançar no estudo de técnicas complementares (acupuntura, fitoterapia e implante de células-tronco) e tornar mais precisos os bloqueios anestésicos espinhais guiados por ultrassonografia. Vários desses projetos tem enfoque no tratamento da dor aguda e crônica.
Dois dos subprojetos utilizam a terapia celular, ou seja, os procedimentos que envolvem o uso de células tronco. Um deles é voltado para a avaliação da dor e da resposta inflamatória após implante de células-tronco em lesões de tendão em equinos. O outro avalia o potencial analgésico, anti-inflamatório das células tronco em equinos portadores de osteoartrite, enfermidade causada pela degeneração da cartilagem que reveste as articulações, responsável por diminuir significativamente a qualidade de vida dos animais.
Referência
A FMVZ/Unesp já é uma referência internacional nas pesquisas com dor animal e, especialmente, na criação e validação de escalas. Existem apenas duas escalas de avaliação de dor aguda em cães, elaboradas pelas universidades de Melbourne (Austrália) e de Glasgow (Escócia). Em equinos, há escalas validadas por várias instituições. Todas as demais escalas de dor validadas existentes no mundo foram elaboradas pela FMVZ. “Nossas escalas em gatos, bovinos e suínos são as únicas validadas no mundo, embora essa última seja bastante recente e ainda não tenha sido publicada. Também temos a nossa de equinos”, conta o professor Stelio. Estamos conseguindo consagrar o nome da instituição com esse processo de validação das escalas. Os estudos feitos com dor no mundo citam nossos trabalhos”.
Recentemente, foram publicadas diretrizes sobre dor pelas instituições World Small Animal Veterinary Association (Associação Mundial de Veterinários de Pequenos Animais) e American Animal Hospital Association (Associação Americana de Hospitais Animais). Ambas citam a escala da FMVZ para avaliação da dor em gatos. A escala de bovinos da FMVZ, por sua vez, foi adotada pela Food and Drug Administration, dos Estados Unidos. “Além de gerar conhecimento que contribui com os profissionais da área, as publicações e citações em periódicos internacionais fortalecem o Programa de Pós-Graduação em Medicina Veterinária da FMVZ, e valorizam a instituição e o empenho das pessoas envolvidas”.