Autor do livro Os Pássaros Pretos tem uma vida dedicada à arte, que permeia o contexto religioso
por Flávio Fogueral
Quantas histórias cabem em um livro ou em uma vida? E como, contar uma extensa e rica trajetória pessoal e profissional? Afinal, biografias são apenas sínteses com simples textos que não conseguem expressar as emoções e experiências acumuladas ao longo dos anos.
Aos 90 anos (completados no início de março), Antonio Claret Lyra contempla uma fase que pura imersão em seu legado, que agora é perpetuado pela arte. Afinal, o jornalista e professor se define como um artista que a vida foi inspirando.
Nascido em Laranjal Paulista, Lyra veio ainda criança, em 1935, a Botucatu. A família tinha veia artística e religiosa. A mãe, Maria Rodrigues Machado tinha vivência dentro das igrejas, e o pai, João Francisco Lyra, era imigrante italiano e exercia o ofício de sapateiro, além de ser regente de banda. Esta atividade, por sinal, originou um novo nome à família. “Meu pai como era maestro de uma banda, acabou incorporando o nome do grupo, “Lyra São João”, relembra.
Antônio Lyra fez o curso primário no Grupo Escolar Dr. Cardoso de Almeida e, em 1941, foi interno do Seminário São José, onde estudou durante cinco anos o equivalente ao Ensino Médio. Iniciara, paralelamente, a preparação para a vocação religiosa. Em 1946 começou o curso de filosofia e letras no Seminário Central da Imaculada Conceição, em São Paulo. A partir deste momento em que Lyra definiria os rumos que escreveria em sua história. O passo seguinte seria, como expectativa da própria família, fazer os votos e tornar-se clérigo. Mas não foi o que ocorreu.
Como lembra, começou a sentir que a vida religiosa, mesmo que latente em sua família, não era aquela que queria. A vocação daria espaço para outras histórias, voltadas ao jornalismo, à educação e, nesta etapa, às artes.
Lyra, como jornalista, tem passagens pelos principais veículos de comunicação do país. Frequentou as redações da antiga Organização Victor Costa (hoje Rede Globo), Folha de S.Paulo e Gazeta de Pinheiros. Atuou, ainda, na Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp), Associação Paulista de Municípios, Movimento Brasileiro de Alfabetização, o Mobral, entre outras instituições.
Ao longo dos anos, casou e constituiu a própria família. É pai do médico João César Lyra e de Célia Regina, Maria Estela e Lílian Paula. Permaneceu em São Paulo até o falecimento da esposa, há mais de uma década. Voltaria a Botucatu, onde, já aposentado, encontraria na arte uma meta e a companheira para todos os momentos.
Mesmo nunca tendo algum tipo de curso e apenas deixando a criatividade fluir. Aos 80 anos, aprendeu sobre maquetes e, usando da percepção produziu suas primeiras peças. A primeira representação foi a matriz da Paróquia Nossa Senhora Aparecida, de Botucatu. Em pouco tempo, eram mais de 20 igrejas de Botucatu e outras cidades, além dos modelos que criou a partir da própria imaginação. Isso o levaria para a primeira exposição, em 2014, no Museu do Café e, um ano depois, no Shopping Botucatu. Tais mostras foram sucesso de público, com as maquetes impressionando pelas representações permeadas de detalhes.
“Vim para a arte por causa de um projeto chamado Talentos da Maturidade. Criei as primeiras partes da maquete e apresentei no concurso. Claro que não ganhei, mas essa experiência me inspirou a fazer modelos de igrejas inteiras. Até que surgiu a primeira exposição no Lageado, no Museu do Café”, lembra.
Segundo o artesão (como se define), a estrutura que exigiu mais trabalho- e também sua favorita- é a réplica da Catedral Metropolitana de Botucatu. Lembra que demorou mais de dois meses para finalizar a estrutura.
Paralelamente, pegava a caneta e rabiscava pensamentos. Colocava no papel as lembranças e ideias que surgiam. A relação íntima com a igreja permeou a essência de seus trabalhos literários. Em fevereiro, Lyra concretizou um antigo sonho e publicou o livro “Os Pássaros Pretos”, que, adotando o estilo surrealista, narra a vida dentro de um seminário em Botucatu. Nas duzentas páginas da obra, o autor aborda, ainda, a relação entre a estrutura da igreja e os seminaristas que ingressam na vida religiosa.
Mas esta não é a primeira obra do artesão/jornalista. É autor de um ensaio biográfico, publicado nos anos 1960, sobre Maria Madalena. Também trouxe ao público, nos anos 2000, o romance “Chada”, que conta a trajetória de uma menina nascida na roça e que tentou a vida na cidade. Lyra criou textos que ainda aguardam publicação como o monólogo para o teatro intitulado “O Padre” e os romances “Requiém para um morto” e “A procissão dos defuntos”.
As temáticas, sempre religiosas, refletem as vivências do autor no círculo católico. “Muito do que está nas páginas deve-se ao meu passado, por ter sido quase padre. Fiquei nos seminários durante cinco anos, mas o destino me levou para outro caminho. Todos esses livros, que contam a rotina dentro de seminário ou se relacionam com a fé, foram escritos em um intervalo curto, de poucos anos. Mas não achava que fosse o momento de publicá-los”, frisa Lyra que, mesmo com a essência da religiosidade permeando as obras, considera-se ateu.
Os projetos do artista/jornalista/artesão não param. Novas maquetes estão sendo criadas diariamente. Boa parte delas, igrejas; além de personagens que darão rumo a seus romances escritos embasados com vivências de uma longa jornada.
*Matéria publicada originalmente na Revista Destaque- abril de 2018
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