Santuário de Lourdes e o centenário dos capuchinhos em Botucatu

Diferente de outras igrejas, o Santuário de Lourdes não possui classificação de paróquia

por Flávio Fogueral*

Historicamente, Botucatu é uma cidade extremamente ligada à religião, responsável por concentrar e administrar os rumos da Igreja Católica em boa parte do interior paulista. Segundo o Censo de 2010 promovido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, das 127 mil pessoas que habitam o município, mais de 77.700 (ou 61% da população) declararam-se católicas. A região está em uma das maiores arquidioceses (a de Botucatu) do interior paulista, que concentra mais de 540 mil habitantes, em 45 paróquias.

Muitas das igrejas, por exemplo, agregam arte, misticismo, fraternidade e o principal, uma relação íntima com a comunidade, sendo imprescindível na vida diária de muitos fiéis. Entre o dinamismo do dia a dia e a confusão típica do centro de Botucatu, um lugar chama a atenção pela imponência, tranquilidade e sua religiosidade. O Santuário Nossa Senhora de Lourdes que, em 2018 completa seu primeiro centenário, é a síntese da devoção de fé e de uma relação com gerações de católicos e cristãos.

A trajetória do Santuário de Nossa Senhora de Lourdes está ligada à chegada dos frades capuchinhos a Botucatu, trazidos em 1909 pelo então bispo Dom Lúcio Antunes de Souza, quando ocorreu a reestruturação da diocese. À Ordem Franciscana foi atribuída a administração da primeira Igreja de São Benedito, que anteriormente fora a matriz católica. Ficaram na administração da basílica até 1918, quando da concepção de um novo espaço.

Frei Ismael Martignagno é o reitor responsável pelo centenário do Santuário

Consta no Achegas para a História de Botucatu, de Hernâni Donato, que uma área foi adquirida para abrigar a nova sede sacra. Por intermédio de muitos botucatuenses, incluindo empresários e políticos, como o caso de José Cardoso de Almeida (que doou a área que abriga a igreja), o Santuário de Lourdes foi erigido. Almeida atribuiu a dedicação à construção do templo devido à “cura milagrosa” do filho à Nossa Senhora de Lourdes. A pedra fundamental da igreja-santuário foi lançada a 15 de agosto de 1913, pelo frei Modesto de Resende. Foram cinco anos de intenso trabalho para a concepção o sacro local de adoração. A inauguração oficial do mais novo templo de Botucatu ocorreu em 8 de setembro de 1918, sendo um marco para a emergente cidade, até então.

Diferente de outras igrejas em Botucatu, o Santuário de Lourdes não possui classificação de paróquia por parte da Arquidiocese, o que limita o espaço a algumas celebrações de missas, não realizando casamentos, por exemplo, por determinação interna. É vinculado à Catedral Metropolitana. Sem tais compromissos paroquiais, os quatro frades capuchinhos, que ali habitam, dedicam-se, além do rito sacerdotal, a missões juntos à comunidade como, diariamente, ao atendimento em confissões e orientação.

Gruta na entrada do Santuário, um dos espaços religiosos mais tradicionais de Botucatu

É este tempo diretamente dedicado à população, faz do Santuário um dos locais mais próximos para muitos botucatuenses. O frei Ismael Martignagno, 80, é atual o reitor-guardião do santuário há cinco anos e também o responsável pelo espaço nas celebrações do centenário. Segundo o religioso, a missão diária dos frades, além de aprofundar os ensinamentos de São Francisco de Assis e, consequentemente do Cristianismo, é trazer a comunidade ainda mais próxima da Igreja. “O Santuário não está ligado somente à religião, mas também a História de Botucatu. Foi um marco a vinda dos capuchinhos já que eles foram fundamentais para a organização da diocese. É importante celebrar esta data (o centenário), já que aqui é um lugar de devoção e orientação de vida e espiritual para cada fiel”, salienta.

Arquitetura única projetada por Ramos de Azevedo

O arquiteto Pedro Paulo Pacheco, em 2016, publicou na imprensa local texto onde faz considerações sobre a concepção da que ele chama de “esguia e elegante igreja”. Lembra que um importante nome da arquitetura brasileira esteve à frente do projeto do santuário: Ramos de Azevedo (1851-1928) que, entre suas obras mais notáveis estão o Mercado Municipal de São Paulo, a Pinacoteca do Estado, o Teatro Municipal de São Paulo, além do Cemitério da Consolação, entre muitos outros.

Interior do Santuário de Lourdes, com ornamentos inspirados no barroco

Em Botucatu, algumas das obras do arquiteto estão presentes como o antigo Fórum (atual Pinacoteca), além do próprio Santuário de Nossa Senhora de Lourdes. Azevedo era cunhado de José Cardoso de Almeida, que viabilizou a obra.

A ideia para o santuário, explica Pacheco, era ser uma réplica da Basílica de Lourdes, na França. Ao longo dos anos a igreja recebeu modificações na estrutura quando, em 1936, os irmãos Pietro e Uderico Gentilli conceberam aquela que é uma das principais características do local: o teto repleto de afrescos (pinturas sobre o gesso), onde retrataram querubins e anjos, cada um com um rosto. Outro afresco está na abóboda central do Santuário e retrata o esplendor de Jesus Cristo. Também há a representação da aparição de Maria em Lourdes e de Francisco de Assis, fundador da ordem dos Capuchinhos.

Inauguração da gruta, em 1941
Frades capuchinhos, trazidos a Botucatu por Dom Lúcio Antunes de Souza

Com estilo que mescla barroco ao modernismo, o santuário tem, entre suas representações, uma imagem da Pietá, além da famosa gruta na entrada do santuário. Uma das características principais é o fato de ser uma das poucas igrejas em Botucatu a ter relógio em suas torres, sendo possível observar em diversos pontos da cidade. Os tradicionais sinos, também eram frequentes no cotidiano

Ao longo dos anos, o espaço passou por diversas restaurações, principalmente nos afrescos e na própria torre. Por isso, os sinos deixaram de badalar por alguns anos, com o risco de comprometer a estrutura da torre. Há a expectativa de que os mesmos sejam utilizados nas celebrações do centenário.

Frades Capuchinhos fizeram História em Botucatu

Freio Afonso Lorenzon

Muitos dos frades capuchinhos são lembrados com respeito e carinho pelos fiéis, como os freis Afonso Maria Lorenzon (1923- 2009), que apostolou em Botucatu durante 26 anos (1952-1956, 1981-1993 e de 1999 a 2009) e foi durante doze anos o guardião do Santuário. É lembrado por estar na orientação espiritual e de vida secular de muitas gerações de botucatuenses. Por ser franciscano, Afonso empresta, desde 2012, seu nome a um bosque educativo na Escola do Meio Ambiente.  

Também é forte de outro nome frequentemente citado é o do Frei Fidélis di Primiero, ou Bernardo Mott (1885-1965). Foi respeitado historiador, antropólogo, linguista, professor de filosofia e teologia, além de escritor. Seus livros tratam de questões como a presença dos capuchinhos no Brasil. Estudioso do sumério, língua extinta que foi redescoberta no final do século XIX; e da Pré-História do continente americano; criou diversas teses sobre a civilização pré-colombiana.  

Frei Fidelis: estudioso da antropologia latino americana

Foi em Botucatu, a partir dos anos 1950, que Fidélis (residindo no Santuário de Lourdes) realizou parte de suas pesquisas, visitando locais que hoje são pontos turísticos como as Três Pedras e o Gigante Adormecido. Morreu em 1968, tendo recebido o título de “Cidadão Botucatuense”, conferido no ano anterior. Empresta seu nome ao Conjunto Residencial Frei Fidelis, nas proximidades da Rodovia João Hypólito Martins, a Castelinho. 

Programação religiosa e exposição

O centenário do Santuário de Lourdes será celebrado com intensa programação entre 5 e 8 de setembro. O tríduo religioso, que contará com missas sempre às 19h30, terá início no dia 5, com a presença da Academia Botucatuense de Letras e apresentação do Coral Municipal. No dia 6, os ministros da comunhão eucarística e membros da Ordem Franciscana Secular (OFS), além de convidados, também integrarão as celebrações sacras. Haverá, ao final da missa, apresentação da Banda Municipal.

No feriado de 7 de setembro, o Colégio Santa Marcelina será o destaque. Encerrando o tríduo, no dia 8, o arcebispo Dom Maurício Grotto de Camargo, fará a celebração do centenário. Logo após, uma procissão reunirá a comunidade em torno do Santuário. Também está programada, nos dias de festividades, exposição de fotografias e vídeos históricos.

*Reportagem publicada originalmente na edição 31 da Revista Destaque Botucatu- Agosto de 2018