Sem solução, feminicídio inspira espetáculo teatral em Botucatu nesta sexta (5)

Espetáculo “Talvez isso não seja totalmente preciso, mas aqui está” foi concebido de forma colaborativa

da Assessoria

Um crime que aterrorizou Bauru na década de 70 ainda reverbera em seus moradores. Mara Lúcia Vieira foi estuprada e assassinada aos nove anos de idade. A garota foi encontrada quatro dias depois de seu desaparecimento no banheiro de uma casa abandonada

“Talvez isso não seja totalmente preciso, mas aqui está” é o nome deste espetáculo inquieto, um documentário cênico que desde o título revela as incertezas que permeia esta obra, inspirada na historia de Mara Lúcia.

Uma vida tirada brutalmente e, junto com ela, todas as possibilidades que esta criança poderia ter vivido. Assim, aos atores e moradores da cidade sem limites sobram um apanhado de ‘talvez’. Quem foi o culpado por este assassinato? O que leva uma pessoa a cometer um crime tão cruel com uma garota de apenas 9 anos? E se a garota não tivesse ido à escola naquele dia? Quem ela teria se tornado se tivesse seguido viva?

A única certeza é a coragem de um grupo de atores em revirar esta história e questionar a falta de solução para este crime.

Quem viveu à época ainda se lembra de Mara Lúcia, mas apenas os mais próximos, recordam-se da menina para além da violência.

Eliana era a amiga mais próxima, juntas elas cantavam, brincavam de bonecas e se divertiam no balanço que existia no quintal da casa dos pais de Mara. Eliana Cerigatto, amiga da vítima, é mãe de Fábio Valério, um dos atores do espetáculo. As histórias sobre a garota foram ouvidas inúmeras vezes pelo filho, sendo este um dos disparadores para a construção deste trabalho.

Juntos, Andressa Francelino e Fábio Valério, atores do Grupo Protótipo Tópico, realizaram entrevistas com jornalistas e pessoas que viveram em Bauru na época do caso. Eles esmiuçaram os fatos e boatos e se debruçaram durante meses na história, ao lado do diretor do espetáculo Marcelo Soler, em busca de uma construção dramatúrgica que não abordasse apenas a violência, mas as sutilezas de uma vida interrompida tão precocemente.

Para contribuir com esta construção dramatúrgica, o grupo buscou inspiração também na literatura, em um mergulho na obra Memórias do Subsolo, do russo Fiódor Dostoiévski, que traz em seus textos uma espécie de sequência de versos cênicos que transbordam a atmosfera de insuficiência frente ao inexplicável, assim como se sentiram os artistas ao se depararem com o caso Mara Lúcia.

Visando um refinamento poético e a ampliação das possibilidades artísticas, estéticas e políticas o grupo convidou o diretor e dramaturgo Marcelo Soler, um dos precursores do teatro documentário no país, para assinar a direção do espetáculo, e a atriz, diretora e preparadora Georgette Fadel para a orientação e preparação dos atores acerca da encenação, ambos da cidade de São Paulo.

A produção do espetáculo “Talvez isso não seja totalmente preciso, mas aqui está” foi executada de modo colaborativo, onde artistas e diretor estiveram engajados na sua criação. Além da dramaturgia poética, o trabalho apresenta um viés político, já que o a vítima pertencia a uma família simples e os suspeitos eram de famílias ricas e tradicionais da cidade, o que talvez tenha resultado nesta não resolução do crime.

Mas a abordagem de um assunto tão delicado gerou incômodo em uma das cidades da região, que censurou a apresentação que ocorreria no local.

Na contramão desta atitude retrógrada, o público da cidade de Jau, que teve a oportunidade de assistir à pré-estreia do espetáculo, teceu elogios ao grupo e ressaltou a força e a delicadeza com que o assunto foi abordado. E estreia na cidade de Bauru também teve uma recepção calorosa, todos os dias de espetáculo com a casa cheia.

A obra propõe inúmeras reflexões, sobre a violência humana, sobre os reflexos da desigualdade social e a espetacularização por parte da imprensa na época. Tudo muito bem articulado pelos olhares sensíveis dos atores e do diretor. Um mergulho em questões viscerais que resistiram à passagem do tempo. Um teatro que sequestra a realidade e a transfere para o palco.

“Talvez isso não seja totalmente preciso, mas aqui está” será apresentada em Botucatu nesta sexta, dia 05/07, às 20h, no Teatro Municipal. A entrada é gratuita e a classificação indicativa é de 16 anos.

O espetáculo foi viabilizado pelo edital PROAC 01/2018 do Governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Cultura e Economia Criativa.

Sinopse: A morte brutal de uma menina de nove anos, Mara Lúcia, em 1970 na cidade de Bauru é o disparador para uma sequência de cenas poético documentais que buscam tentar entender a brutalidade de ontem que persiste no hoje. As lembranças de uma amiga de Mara, fragmentos do texto Memórias do Subsolo de F. Dostoiévski, reportagens sobre o fato e o próprio assombro dos artistas envolvidos se misturam na construção em cena de uma memória fabricada.

Serviço
“Talvez isso não seja totalmente preciso, mas aqui está”, Grupo Protótipo Tópico
Espetáculo Teatral | Drama | 70 minutos | Classificação 16 anos
Data: 05 de julho
Horário: 20h
Local: Teatro Municipal de Botucatu – Praça Coronel Rafael de Moura Campos, 27 – Centro
Entrada Gratuita

Ficha técnica
Direção: Marcelo Soler
Preparação de atores: Georgette Fadel
Elenco: Andressa Francelino e Fábio Valério
Dramaturgia: criação coletiva (supervisão Marcelo Soler)
Cenografia e figurino: o grupo
Sonoplastia: Juliana Ramos
Iluminação: Luiz Campana Jr
Produção: José Vinagre e Vanessa Ochi
Documentada: Eliana Cerigatto
Fotografias: Helder Faria
Assessoria de Comunicação: Juliana Ramos
Colaboração: Victória Rangel
Identidade visual: Coletivo Boitatá

Grupo Protótipo Tópico
Durante os dez anos de (r)existência, o grupo pesquisa a preparação do ator, a dilatação física, corporal, imagética e temporal, a ação vocal, o caminho da pré expressividade à expressividade e construção da cena. Atualmente caminha pelos estudos na vertente do Lugar memória, do teatro documentário e interações entre vídeo e teatro. Para as últimas pesquisas citadas, o grupo foi contemplado pelo edital ProAc Aprimoramento técnico- artístico nos anos de 2014 e 2015, com os projetos “Desvendando o teatro documentário” e “Sombra digital: aprimoramento em arte tecnologia”.

O grupo participou, no ano de 2013, do Circuito cultural Paulista da Secretaria do Estado de São Paulo, circulando por seis cidades do interior com o espetáculo “A guerra de Pietrovit”. Em 2014 foi contemplado pela Lei de estímulo à cultura de Bauru para construção do espetáculo “e nunca mais foi visto”. Em 2015 e 2016 foi contemplado novamente pela Lei de estímulo a cultura de Bauru para a realização do evento de difusão “Cabaret Scène-Sonore – um espetáculo de variedades”, evento que ocorre mensalmente no Espaço Protótipo e conta com a produção do grupo. Em 2015 foi contemplado pela Lei de estímulo a cultura de Bauru para construção do espetáculo “Bicho Transparente”.

Em 2016 e 2017 foi contemplado pelo Programa Caixa apoio aos festivais de teatro e dança, tendo como proponente a Sociedade Amigos da Cultura para a realização do 5o e 6o FACE – Festival de Artes Cênicas de Bauru. Em 2017 foi contemplado pelo edital ProAc circulação com o projeto “Caminho memória: circulação repertório Protótipo Tópico” e circularam por oito cidades do estado de São Paulo com os espetáculos “Bicho Transparente” e “Preâmbulo-carne com alma dentro”, além de ministrarem a oficina “Construção dramatúrgica a partir da relação do ator com o lugar memória”.