É um desafio tratar o assunto de uma maneira que sejam valorizadas as sutilezas
por Oscar D’Ambrosio*
Ao se tratar artisticamente temas como a guerra, corre-se o risco de cair no mero documentário e no realismo. É um desafio tratar o assunto de uma maneira que sejam valorizadas as sutilezas da existência e todas as nuanças envolvidas em conflitos sempre sem sentido entre seres humanos por causas políticas ou religiosas.
O filme português “Cartas da Guerra”, dirigido por Ivo M. Ferreira a partir de romance autobiográfico homônimo de Antônio Lobo Antunes, é um excelente exemplo de como as delicadezas e sugestões podem tornar a existência mais densa de modo que não apenas vivamos, mas que reflitamos sobre o existir.
A narrativa traz um médico que serve na guerra colonial de Portugal contra Angola. Começa a escrever apaixonadas cartas para a esposa, nas quais pensa a própria jornada na África. Os textos são lidos com extrema intensidade pela atriz Margarida Vila-Nova, que faz breves e belíssimas aparições.
Nada é declarado. Num clima de pura poesia, a falta de senso da guerra, e talvez da própria vida, é tratado. A fotografia em branco e preto valoriza justamente a dramaticidade e os contrastes, tanto em termos de visões políticas da realidade como de intensidade das cenas, como o momento em que o protagonista “adota” provisoriamente uma criança negra
O livro e o filme se complementam no sentido de oferecem ao público a possibilidade de um entendimento do poder da arte de questionar a vida de uma maneira inteligente. Isso significa que seu grande poder está em devolver ao público aquilo que chamamos de realidade de uma maneira que nos faz repensar o que fomos, somos e podemos ser.
Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.