Planta e Flora – um olhar de mais encanto, reflexão e reverência

Em geral, nós humanos, precisamos de esforço diário para obter recursos necessários à manutenção da vida

por Vinícius Nunes Alves*

Se afirmarmos que a vida é muito fácil, estaremos exagerando, talvez seja só para quem vive em condições similares aos reis/príncipes e às rainhas/princesas com todos servindo à sua volta. Mas se afirmarmos que a vida é muito difícil, num sentido relativo, também estaremos exagerando. Em geral, nós humanos, precisamos de esforço diário para obter recursos necessários à manutenção da vida, como alimento, água e abrigo. Mas se, por exemplo, pensarmos em muitos animais ou em plantas na ‘condição selvagem’, veremos que esses seres além de buscarem recursos em ambientes naturais cada vez mais afetados por nós, também precisam gastar energia de vigília para não serem comidos por outros.         

Nesse contexto, vou usar como exemplo este indivíduo da espécie vegetal Chresta scapigera (fotos) da família Asteraceae, que é a mesma família da popular planta dente-de-leão, cuja flor gostamos de soprar (e algumas pessoas até de fazerem desejos). Na época que registrei tal planta, ela estava sobrevivendo e buscando a reprodução (flor) em um local de risco, no caso era a beira da estrada do PESCAN (Parque Estadual da Serra de Caldas Novas-GO). A planta não pode escolher onde suas sementes vão germinar e mesmo uma planta já adulta, ao estar na beira da estrada, fica vulnerável a correntes de vento potencialmente destrutivas, a poeiras da estrada  que cobrem as superfícies das folhas e possivemente afetam a fotossíntese e, claro, a detecções e acessos mais fáceis para herbívoros e florívoros. Além disso, como podemos ver pela foto, essa planta estava vigorando em um solo rochoso de campo rupestre, uma das fitofisionomias do bioma (ou complexo de biomas) Cerrado, na qual a água e os nutrientes são escassos ou de difícil acesso, o que exige adaptação das plantas que, muitas vezes, são endêmicas dessa vegetação. Ou seja, são plantas que só ocorrem nessa formação campestre do Cerrado. 

Ao voltar para casa, eu postei esses registros (fotos) no grupo DetWeb do Facebook. Com isso, uma especialista da família Asteraceae saciou a minha curiosidade identificando a espécie para mim. Em troca, eu passei para ela a localização (coordenadas geográficas) que encontrei a planta. Isso ajudou no banco de dados dela que ainda não tinha registrado a ocorrência desta espécie no PESCAN. As pessoas podem identificar espécies de plantas por meio do estudo e do transporte de guias e livros de Botânica ou, mais recentemente, através de aplicativos de celular como PlantNet. Mas há quem prefere a identificação ou a confirmação de especialistas usando grupos com inúmeros membros experientes, como o Detweb mencionado acima. 

O reconhecimento sempre será mais fácil se nas fotografias tiverem flor e/ou fruto que são os órgãos reprodutivos. Qualquer pessoa com o mesmo tipo de interesse/postura que eu tive pode ajudar especialistas com fotografias de plantas e suas localizações em remanescentes de vegetação nativa ou parques naturais. Mapear a ocorrência, a distribuição e a abundância de espécies de plantas continua sendo uma importante contribuição para o banco de dados da Ciência e para o monitoramento das populações das espécies.  

A importância do monitoramento fica evidente com o desmatamento. Por exemplo, um fragmento de vegetação nativa da sua cidade pode ter dados de espécies vegetais endêmicas ou vulneráveis de extinção e, mesmo assim, ter uma obra aprovada a toque de caixa e ser desmatado rapidamente. Uma vez que se conhece as espécies de plantas que ali ocorrem, podemos fazer um resgate de flora – procedimento que envolve a remoção de indivíduos vegetais de seu local de origem e posterior replantio em área ecologicamente semelhante.  Há diversos empreendimentos de interesse público ou privado licenciados e que envolvem a supressão de vegetação nativa. Com relação a isso, temos legislações que priorizam a compensação da área desmatada com projetos de plantio de espécies do mesmo bioma em outra área ou mesmo a reposição de vegetação na mesma sub-bacia hidrográfica. Apesar das Leis ambientais e do bom senso terem esse direcionamento, nem todos que desmatam se importam em compensar dessa forma. Por exemplo, em Botucatu temos fragmentos dos biomas Cerrado e Mata Atlântica, e é possível que em obras que foram construídas encima de Cerrado tenham sido compensadas com plantio ou recuperação de áreas de Mata Atlântica. Ou seja, o que foi perdido de Cerrado não foi verdadeiramente compensado.   

Adaptação e identificação de plantas, fitofisionomia de Cerrado, banco de dados e resgate de flora, desmatamento e compensação de vegetações em biomas – todos são pontos que reverenciam as plantas. Estas são seres muito interessantes, belos, importantes e mais dinâmicos do que muitos possam imaginar. Alguns dos diversos benefícios que os animais terrestres podem ter com as plantas são as extrações de grande parte do oxigênio e dos carboidratos necessários à sobrevivência. Terminando com Carlos Drummond de Andrade: “Façam completo silêncio, paralisem os negócios, garanto que uma flor nasceu”.

Vinícius Nunes Alves é Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas – IBB/UNESP. Mestre em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais – UFU. Especializando em Jornalismo Científico – Labjor/UNICAMP . Professor Escolar da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.

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