Avenida Santana: a construção de uma cidade com a tradição da padroeira

A via é uma das mais antigas de Botucatu. Surgiu ainda na formação da área urbana, no final do século XIX

por Flávio Fogueral*

Em seus mais de 160 anos, Botucatu conta com regiões singulares em suas características. Algumas são reconhecidas ao colaborar diretamente com o desenvolvimento econômico e por serem estratégicas nos planos residencial e empresarial. Diversas ruas e avenidas mantêm o dinamismo que os dias atuais exigem, sem deixar o charme e a preservação de tempos remotos. E carregam em seus nomes, homenagens a personagens importantes da História local, além de carregar fortes traços da tradição do interior, como a forte preservação da religiosidade. Nesse contexto, a Avenida Santana é a síntese de tais características e se consolida como relevante corredor empresarial e residencial do município. 

A via é uma das mais antigas de Botucatu. Surgiu ainda na formação da área urbana, no final do século XIX. Curiosamente, sua concepção iniciou-se em maio de 1888, período em que a escravatura era abolida oficialmente do Brasil. Consta no livro Ruas de Botucatu, de João Thomaz de Almeida, que a iniciativa para homenagear a padroeira da Cidade começou quatro anos antes, com a Câmara Municipal instituindo nomes para as ruas e avenidas que eram criadas. A primeira Rua de Santa Anna começava na Praça Coronel Moura (Paratodos) e tinha extensão que abrangia as proximidades da atual Rua João Passos. 

Avenida Santana traz reminiscências de uma Botucatu antiga como casarões e até mesmo homenagem ao fundador de Botucatu, capitão José Gomes Pinheiro Machado

Ao longo dos anos, a atual localização da Avenida Santana começou a ser ocupada, sendo que os moradores então a denominaram de Rua Larga de Sant’Anna. Sua extensão ia até a confluência com a Rua Visconde do Rio Branco, onde área urbana efetivamente terminava na época. Curiosamente, consta que a avenida já havia sido aberta anos antes, mas nunca ocupada, sendo tomada por mato e a vegetação. Foi necessário reabri-la motivando intensa negociação entre a municipalidade e os proprietários de terrenos. Um personagem importante foi Daniel Carlos que, com a condição de ser construída uma escola, doou uma “sobra” de terreno para que a nova avenida fosse aberta. Neste espaço foi erguido o Grupo Escolar Gomes Pinheiro, onde está atualmente a sede da Diretoria Regional de Ensino. Em 1892 a avenida estava totalmente aberta e fazia conexão com outra importante via, a Avenida Floriano Peixoto, além de ser prolongada até o Cemitério Portal das Cruzes. Com isso, tornou-se um incipiente corredor empresarial e habitacional, por sua proximidade com a então Estação Ferroviária.

A denominação da via ocorreu efetivamente em 1894, por meio de uma indicação apreciada pela Câmara Municipal. Passa a ser efetivamente Rua de Sant’Anna. Nesta mesma análise, o trecho que vai da Matriz Nova até o cemitério seria a Rua do Cemitério e, posteriormente, Avenida Dom Lúcio. 

Espaço Saúde “Cecília Magaldi”, onde antes era a Casa de Saúde Sul Paulista, um dos primeiros serviços de Saúde em Botucatu

Ao longo dos anos a avenida transformou-se no sinônimo do coração de Botucatu. O dinamismo e importância da Avenida Santana traduz-se nas 95 empresas instaladas na região, conforme consta na Secretaria de Desenvolvimento em julho de 2019.  A famosa avenida sedia em pouco mais de um quilômetro de extensão, importantes instrumentos públicos na área da educação, como a Escola Técnica Estadual Domingos Minicucci Filho, a Industrial, fundada em 1936; além de outras instituições privadas de ensino em nível superior e técnico.

Outro ponto de destaque na Avenida Santana é sua relevância na Saúde Pública.  A via recebeu um dos mais importantes serviços de saúde da Cidade até então: a Casa de Saúde Sul Paulista, oriunda do anseio de Pedro Delmanto, empreendedor que tinha como objetivo oferecer um espaço para assistência em saúde da então crescente colônia italiana e da população como um todo.

Por volta da década de 1920, iniciou a concepção de um pequeno hospital, tendo o filho Aleixo Delmanto como o médico responsável pela unidade. Aleixo foi, inclusive, o primeiro botucatuense nato formado em medicina. O hospital funcionou durante as três décadas seguintes, passando a receber posteriormente e de forma provisória o Hospital Regional da Sorocabana, cuja sede estava em obras na Vila dos Lavradores. Nos anos seguintes, foi de uso do Estado, recebendo o antigo Ambulatório Regional de Especialidades. Desde 2011 a região sedia o Espaço Saúde “Professora Cecília Magaldi”, em um imóvel de 2.127 metros quadrados, com serviços especializados como a Clínica do Bebê, a Clínica de Saúde Reprodutiva e Sexual e a Clínica de Diversidades Terapêuticas (acupuntura, homeopatia, etc) e a Clínica de Curativos. Também está instalado no local as novas dependências da Farmácia Municipal, além do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), que concentra mais de cinquenta profissionais. 

A Avenida Santana, mais do que resgatar a religiosidade de Botucatu, reforça o dinamismo e a visão de futuro dos pioneiros, que vislumbraram oportunidades únicas. São inúmeras as histórias de sucesso e casos que fazem esta ser um dos principais corredores comerciais e empresariais da Cidade.

A Padroeira de Botucatu 

Por sua relação intimamente ligada com a religião, Botucatu tem diversas ruas e espaços públicos fazendo alusão a esta vertente espiritual. Um desses casos é a Avenida Sant’Anna, que também é considerada a padroeira da Cidade, tendo a celebração em 26 de julho, feriado municipal.  

Consta nos relatos da Igreja Católica que o casal Joaquim e Ana, ele da Galileia e ela, de Belém eram devotos de Deus e dividiam em três partes o que ganhavam: uma delas davam ao templo e aos que estavam a serviço do mesmo; outra a davam aos peregrinos e aos pobres, e a terceira guardavam-na para si e para a família. No entanto, não tinham filhos, o que causava incessantes pedidos e intercessão divina. 

Certa ocasião apareceu-lhes, em separado a Joaquim e Ana, um anjo comunicando-lhes, da parte do Senhor, que sua oração tinha sido ouvida e que Ana teria uma filha. Então ambos fizeram voto de consagrar sua prole ao Senhor, fosse menino ou menina. Realmente, tendo tido Maria, tão logo a menina completou três anos, dizem as tradições, foi levada ao Templo para lá ser educada, onde permaneceu até ser dada em casamento a José. Não há relatos históricos-científicos acerca Joaquim e Sant’Anna, nem quando da morte do casal.

*Matéria originalmente publicada na edição 42 da Destaque Botucatu. Para ler a versão completa, clique aqui.