Barretti propõe “mais diálogo e prioridade absoluta à vida das pessoas” como reitor da Unesp
Barretti afirmou que vai priorizar as ações de combate à pandemia de Covid-19
Da Redação
Natural de Itapetininga, cidade a 171 quilômetros da capital paulista, o professor da Faculdade de Medicina do câmpus de Botucatu (FMB-Unesp) Pasqual Barretti, 63 anos, foi empossado no último dia 14 como reitor da Unesp. Médico formado pela própria Universidade, iniciou a sua trajetória acadêmica na graduação em 1976, no ano em que a Unesp foi criada. Dez anos depois, três antes da conquista da autonomia universitária, começou a sua trajetória como docente na FMB e viu a Unesp se transformar, ao longo das últimas três décadas, em uma instituição de ensino e pesquisa que, embora ainda jovem, já possui reconhecido prestígio internacional, ocupando posições de destaque nos cenários nacional e latino-americano.
Nesta primeira entrevista como reitor empossado, realizada no final da tarde da última sexta-feira (15) por meio de videochamada, depois de uma agenda intensa no primeiro dia à frente da Universidade, o médico Pasqual Barretti afirmou que vai priorizar as ações de combate à pandemia de Covid-19, apoiando e reforçando os trabalhos do Comitê Científico e do Comitê Unesp Covid-19, instâncias que ajudam na articulação de ações conjuntas nas 34 unidades das 24 cidades paulistas em que a Universidade está presente.
O orçamento da Unesp aprovado pelo Conselho Universitário em dezembro prevê uma arrecadação de R$ 3,1 bilhões para 2021, sendo R$ 2,5 bilhões recursos do Tesouro estadual. “Outorgados que somos por este orçamento robusto, ainda que muitas vezes insuficiente, temos que devolver para a nossa sociedade ensino de graduação de qualidade, pós-graduação de qualidade, pesquisa de qualidade e, através da extensão, ter esse elo cada vez mais forte com a comunidade. Não podemos nos desesperar diante de dificuldades, mas também não podemos achar que a crise econômica já passou. Apenas estamos iniciando a segunda onda. A situação hoje é tão grave quanto era no início da pandemia”, diz.
Nesta terça-feira (19), o reitor Pasqual Barretti e a vice-reitora Maysa Furlan participarão de uma live da TV Unesp na qual a comunidade universitária poderá enviar perguntas aos convidados em tempo real, pelo WhatsApp. “Aprimorar a comunicação interna e a comunicação externa faz parte deste exercício de diálogo e de aproximação entre as pessoas, entre as unidades e entre a Unesp e a sociedade paulista”, diz o reitor.
O senhor ingressou na Unesp como aluno no ano da criação da Universidade, em 1976, e está há 35 anos como docente. Como encara, pessoalmente, este desafio?
Pasqual Barretti: É uma enorme responsabilidade e também motivo de muito orgulho poder contribuir com essa história que a gente viveu desde o início, desde o primeiro dia em que o nosso câmpus passou a adotar o nome “Unesp”. Na época, existiam institutos isolados, muitos dos quais bastante qualificados, mas não havia uma identidade como universidade. Foi um grande exercício de vida universitária e também um grande exercício de cidadania porque, ao longo deste tempo, vimos o país se transformar e a universidade se consolidar. Passamos pelo regime militar, estamos em um regime democrático e passando hoje por um momento bastante difícil do ponto de vista político, sanitário. Como eu disse ontem (na cerimônia de posse), é o meu maior desafio e, ao mesmo tempo, uma satisfação contribuir com a universidade na qual eu passei a maior parte da minha vida.
A sua trajetória como docente, administrador hospitalar e gestor dentro da Universidade já é bastante consolidada. Qual é a sua avaliação destes dias de transição e como foi este primeiro contato com a realidade da Reitoria?
Pasqual Barretti: Além da vida de médico e professor universitário, vivemos intensamente a gestão universitária do Hospital das Clínicas (de Botucatu), da nossa Fundação (Famesp), que tem hoje 5,5 mil trabalhadores e da nossa faculdade e também do câmpus universitário de Botucatu, que foi uma grande experiência. Na composição da nossa equipe, eu disse que essa experiência e esse perfil gestor dá conta do enfrentamento apenas de uma parte dos problemas. Precisávamos encontrar, e tivemos a felicidade de ter a parceria da professora Maysa, alguém que tivesse uma imensa experiência na parte acadêmica. Maysa é uma das maiores pesquisadoras em sua área no Brasil. Ao terminarmos a composição da equipe, vejo que nós, tanto do lado de planejamento e gestão quanto do lado acadêmico, montamos uma equipe bastante qualificada. Penso que o desafio será grande, mas confio muito na equipe, na disponibilidade e no espírito público das pessoas que estarão comigo nesta jornada.
Então o senhor usou como critério para a formação da equipe a reunião de pessoas com competências e habilidades complementares?
Pasqual Barretti: Sem dúvida. Principalmente entre o reitor e a vice-reitora porque não há possibilidade do enfrentamento dos desafios e das diferenças dessa enorme diversidade, que acaba sendo uma riqueza que a Unesp tem, querendo abraçar ao mesmo tempo todos os aspectos. Quando levamos à frente este plano de perfis complementares, a professora Maysa já soube que terá total autonomia. Não é uma divisão que naturalmente já existe: o vice-reitor cuida da parte acadêmica e o reitor, da parte de planejamento e gestão. Não é essa a ideia. A ideia é que a vice-reitora trabalhe com ampla autonomia, pois tem qualificações mais do que suficientes para isso, e o pró-reitorado também.
Depois das turbulências orçamentárias e financeiras dos últimos anos, o que se pode tirar de lição deste período?
Pasqual Barretti: Temos que entender o orçamento da universidade para que ele represente as reais necessidades da instituição. Eu disse isso ontem (quinta-feira, dia da posse): não considero que o nosso orçamento é algo dado para agirmos como se fôssemos uma associação ou uma simples comunidade. O orçamento tem que representar as atividades-fim porque estas atividades-fim se voltam para a própria sociedade. Outorgados que somos por este orçamento robusto, ainda que muitas vezes insuficiente, temos que devolver para a nossa sociedade ensino de graduação de qualidade, pós-graduação de qualidade, pesquisa de qualidade e, através da extensão, ter esse elo cada vez mais forte com a comunidade. Não podemos nos desesperar diante de dificuldades, mas também não podemos achar que a crise econômica já passou. Apenas estamos iniciando a segunda onda. A situação hoje é tão grave quanto era no início da pandemia, por volta de abril, maio. Existe neste momento uma situação financeira e orçamentária melhor do que havia há quatro anos, mas isso não nos dá o direito de sermos negacionistas quanto à realidade econômica de nosso estado. Então, temos que tratar o dinheiro público com a maior seriedade possível e trabalhar em conjunto com os nossos colegiados, com amplo diálogo, amplo respeito e muita coragem para definir prioridades, que muitas vezes serão necessárias. Não que não consideremos todas as necessidades e todas as demandas como justas, mas temos que ter um plano de quatro anos, não podemos atropelar a realidade. Vou me empenhar para que a vida nos colegiados não seja turbulenta, e sim uma vida de diálogo, de construção.
Como ficarão as situações do Comitê Unesp Covid-19 e do Comitê Científico? Seguirão ativos?
Pasqual Barretti: Claro. O Comitê Científico produziu mais de uma centena de projetos, muitas publicações já, levando o nome da Unesp e contribuindo imensamente com a ciência e com a sociedade. Vamos ter alguns reforços no Comitê Unesp Covid-19, que continua, e temos ações imediatas. Eu vinha de São Paulo já conversando, pelo celular, com a doutora Ludmila (Braga, coordenadora da CSST) porque ações imediatas têm que ser tomadas. Temos neste ano uma previsão no Orçamento de recursos para o enfrentamento à Covid-19 e também para a melhoria das condições de saúde mental dentro da Unesp. Esse orçamento, se necessário, será suplementado. Daremos prioridade absoluta para a vida. Hoje não podemos discutir qualquer outra coisa, dando a ela maior relevância do que o enfrentamento à pandemia. Estarei pessoalmente junto a este comitê, não interferindo em suas ações, mas dando respaldo que a Reitoria precisa dar, tanto para as ações de prevenção quanto para os cuidados e melhoria das condições de recursos humanos para o enfrentamento dos problemas que a comunidade tem passado em relação a profissionais de saúde e de saúde mental. E também para nos prepararmos urgentemente para a vacinação. Não passará desta segunda-feira (18) a primeira conversa que teremos com o Comitê Unesp Covid-19 para a gente identificar pontos cruciais que têm de ser tratados de modo imediato.
Como lidar com a questão de saúde mental neste momento em que este tema se tornou ainda mais delicado em razão da pandemia?
Pasqual Barretti: Esse é um problema que não pode ser negado nem pode ser deixado em plano secundário. Como eu disse, ele tem que ser tratado como prioridade. Infelizmente, tivemos caso de suicídio ou tentativa de suicídio em tempos recentes dentro da nossa Unesp e não podemos assistir a este tipo de coisa acontecer. Temos enormes dificuldades neste ano em relação a contratações, mas buscaremos a forma mais ágil. Vamos precisar de gente, vamos precisar de profissionais de saúde que deem suporte às nossas unidades. Isso não é uma coisa que podemos tratar de modo improvisado. Podemos tratar de modo emergencial, talvez de uma forma que não seja a melhor possível. Mas não temos tempo para esperar uma série de processos, uma série de coisas serem regulamentadas para que isso aconteça. Isso tem que ser tratado como uma questão de urgência e urgência é aquilo que não pode esperar. Temos que ter uma política robusta de saúde, de promoção e proteção da saúde, de prevenção de doenças, de grande apoio à nossa comunidade, o que a professora Maysa (vice-reitora) gosta de chamar de uma rede de proteção. Abrangente e para todos. Isso vai muito além do que a saúde suplementar pode conseguir. É um outro tipo de abordagem. Temos que fazer e buscar os recursos para isso e faremos isso de modo absolutamente prioritário.
Em seu discurso de posse, o senhor citou a necessidade de ampliar o diálogo com a comunidade interna e externa. Como isso se dará?
Pasqual Barretti: Além do diálogo propriamente dito, que tem que ser a ferramenta pela qual a universidade converse, isso se dá no dia a dia. No dia a dia de cada unidade, da Reitoria, dos órgãos colegiados, nas interfaces entre a gestão central e as gestões locais. Temos que melhorar a comunicação interna, a Unesp tem que se conhecer mais. A universidade mostrou uma grande capacidade de organização interna mesmo a distância, na construção desses projetos de pesquisa, e ela é capaz de se integrar muito mais, ela precisa se conhecer. Ainda na campanha, falamos também da comunicação científica. É aquele modo de traduzir para a sociedade o que somos e o que fazemos com os recursos que a sociedade nos aporta. A divulgação do conhecimento científico nos aproxima da sociedade e contribui com a cidadania. Se isso fosse feito no Brasil de modo mais adequado, não teríamos fanáticos por aí falando de hidroxicloroquina e falando loucuras próprias deste momento de insanidade que estamos passando. Então, dar grande visibilidade para a Unesp nos aproximará muito da sociedade. Aquilo que a gente chamou ontem (na cerimônia de posse) de “extensão inovadora”, por exemplo, passa pela universidade participando da inovação. Não só a inovação tecnológica, que é muito bem-vinda, mas também a inovação social, aquela em que a universidade transforma a sociedade que está ao seu redor. Aprimorar a comunicação interna e a comunicação externa faz parte deste exercício de diálogo e de aproximação entre as pessoas, entre as unidades e entre a Unesp e a sociedade paulista.
Como o senhor enxerga atualmente o papel do Cruesp?
Pasqual Barretti: Eu e a professora Maysa participamos de uma reunião do Cruesp, que foi a última do ano passado. Vejo com muito otimismo o Cruesp. É um grupo mais coeso do que foi no passado, que trabalha em conjunto. Como reitor da Unesp, eu poderei deixar mais claro para a comunidade o que se debate no Cruesp, quais os caminhos que poderão surgir para a solução de problemas das três universidades. Temos ideias de ações integradas, discussão de políticas públicas. O Cruesp passou a cumprir mais o seu papel de conselho que reflete, discute e tenta resolver os problemas das universidades.

