A interferência humana na natureza pelos detentores do poder é um desafio ao planeta
Por Nelson Ferreira Junior
Você que fez a segunda fase do vestibular da Fuvest, confira o texto desenvolvido pelo professor Nelson, da Escola de Redação Nelson Letras, sobre o tema pedido “O mundo contemporâneo está fora da ordem?”
“Enquanto os homens exercem/ Seus podres poderes/ Morrer e matar de fome/ De raiva e de sede/ São tantas vezes/ Gestos naturais” … Na década de 1980, o músico Caetano Veloso gritava “setecentas mil vezes” sobre o desordenamento que prejudica a harmonia do mundo. Desde o desrespeito pelo sinal vermelho de um semáforo, até a consciente morte causada por tiranos, o poder é refletido na canção como forma de desconstruir a ordem universal.
Essa ideia de ordem cósmica remete aos filósofos gregos clássicos e sua visão de eudaimonia do universo. Para eles o universo era finito e tudo que existe, existe para uma finalidade. Eudaimonia seria o estabelecimento da ordem, cada elemento desenvolvendo sua função. Todavia o ser humano, único elemento que pode alterar essa harmonia, pelo mau uso de seu poder vai de encontro ao logos universal.
A interferência humana na natureza pelos detentores do poder é um desafio ao planeta. A Hipótese de Gaia proposta no final dos anos 1960 pelo cientista James Lovelock, traz à reflexão consequências de ações contrárias à organização de elementos que compõem a biosfera terrestre. Em 2020, as mudanças climáticas tornaram-se mais aparentes e a Amazônia e o Pantanal brasileiros, por exemplo, queimaram pelo mau uso do poder humano, causando escuridão em Gaia e no ordenamento da natureza. A capacidade humana de intervir sobre o ecossistema também foi, possivelmente, a responsável pelo surgimento da pandemia do vírus SARS-Cov-2, que trouxe medo e mortes dos seres racionais – a fim de se autorregular, para manter sua vida, Gaia procura eliminar o que “está fora da ordem”, o erro na engrenagem.
Não só a natureza é atingida pelos podres poderes, mas também as relações sociais, a sociedade, e, mais diretamente, as minorias. A ambição instigada pelo capital e sua sedutora cobiça causa desigualdades em que muitos passam fome, morrem, enquanto uma pequena parcela senta-se em tronos físicos e psicológicos de poder. Ao se transformar em uma empresa, o indivíduo procura manter o mercado não importando a morte de seres de seu coletivo. Em defesa da economia, a empatia perdeu lugar para frases como “dos que morrem pela pandemia, mesmo dos velhinhos, só 10 a 15% morrem”.
E nestes tempos de crise financeira, pouco mais de quarenta milionários brasileiros aumentaram suas fortunas, só nos primeiros meses da pandemia, em mais de vinte por cento. Internacionalmente, a Nova Ordem Mundial e seus poderosos também mostram sua face da moeda pela compra dominante de EPIs, anti-inflamatórios, respiradores e de vacinas, deixando nações mais pobres à margem da busca por uma solução.
A Nova Ordem Mundial, o neoliberalismo que deveria estabelecer harmonia entre as nações, é uma ideologia, não uma realidade – tal qual a falsa esperança divulgada pelas nações sobre a preservação do meio ambiente ou sobre a acumulação de capital em defesa da melhora de vida de toda a população. A realidade não é de esperança, é de pânico assim como argumentou a jovem ativista sueca Greta Thunberg. Retomando a filosofia grega e a concepção de eudaimonia; para Aristóteles, o homem é por natureza um animal político, portanto lhe é intrínseca a intervenção na sociedade em busca da harmonia do coletivo, e, neste, cada um possui sua função.
Portanto, Caetanos e Gretas continuarão sua luta pelo estabelecimento da justiça, da harmonia na Terra, em Gaia, digladiando contra a falha na ordem universal, os adoradores da riqueza que fazem mau uso de seu poder – “Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem/ Apenas sei de diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final”.
*Nelson Ferreira Junior é professor.
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