Aqui também existem fragmentos importantes de Mata Atlântica, um dos Biomas mais devastado do mundo
Por Jorge Martins*
Não é exagero dizer que Botucatu é um município privilegiado no que diz respeito ao meio ambiente. Situada próximos aos fronts da Cuesta a cidade dos Bons Ares desfruta de um clima ameno, quase frio, em comparação com os municípios próximo do entorno como Bauru ou Sorocaba. Sua posição no topo da Cuesta lhe dá essa condição arejada que lhe valeu o nome de batismo, que em Tupy Guarani significa Terra dos Bons Ares.
O Município, que já foi o maior do estado, hoje ocupa a posição de décimo de São Paulo em tamanho, e tem seu território dividido por duas grandes bacias hidrográficas, ao norte o Tietê e ao sul o Paranapanema. Isso significa que que muitas nascentes de afluentes desses dois rios estão situadas no município, a exemplo do Rio Pardo, um afluente do Paranapanema que é responsável pelo fornecimento de água ao município.
Aqui também existem fragmentos importantes de Mata Atlântica, um dos Biomas mais devastado do mundo que ao mesmo tempo coleciona recordes de endemismo e biodiversidade de animais e plantas. Aqui existe um tipo de Mata atlântica conhecida como Estacional Semi-decidual, o que significa que perde parte das folhas de suas arvores na estação seca, de maio a setembro.
Também nestas Serras encontra-se o Cerrado paulista, onde inúmeras espécies estão refugiadas nos últimos fragmentos. Tamanduás, lobos guarás, siriemas, jacutingas etc sobrevivem no limite da ocupação humana.
Por estar numa área de confluência entre biomas, Mata Atlântica e Cerrado, a região está inserida numa zona chamada de Ecótono, o que só aumenta a sua importância ambiental com o somatório da biodiversidade de ambos os Biomas. Um verdadeiro banco genético ameaçado, a céu aberto. Seguidos relatórios têm apontado esta região como extremamente prioritária para a conservação de mamíferos, aves e anfíbios.
As Cuestas de Botucatu são uma parte privilegiada do município onde se pode contemplar o resultado das enormes forças geológica que moldaram a paisagem ao longo de milhões de anos. Quando a América do Sul começou a se separar da África havia nessa região imensos desertos. A atividade vulcânica resultante da ruptura e afastamento entre os continentes resultou em sucessivas coberturas de camadas magma, que resfriadas enterraram o antigo deserto sobre grossas camadas de rocha.
Com o tempo, as chuvas e o vento erodiram as bordas dessas rochas criando a Cuesta, da ondem vertem as maravilhosas cachoeiras do município. O deserto enterrado, conhecidos na ciência como arenitos Botucatu e Pirambóia, tendo sua borda exposta pela erosão da Cuesta, se tornou um imenso reservatório de água das chuvas dos rios voadores. Massas de água que vem da região amazônica e chovem aqui, entre dezembro e março, se infiltram nesses arenitos expostos e criam o que conhecemos como Sistema Aquífero Guarani, considerado um dos maiores reservatórios de água doce do planeta.
Num momento de mudanças climáticas e escassez de água em várias regiões do Brasil, Botucatu detêm áreas estratégicas para os recursos hídricos como divisores de bacias hidrográficas e áreas de recarga do Aquífero Guarani.
Ao mesmo tempo, numa época de extinção em massa, o município abriga fragmentos de Mata Atlântica e Cerrado, dois Biomas muito ameaçados e biodiversos. Atualmente o município tem apenas 9,8 % de florestas naturais preservadas ou regeneradas. Toda a Baixada Serrana nos fronts de Cuesta é recarga de aquífero e, no entanto, o que contemplamos de lá de cima? São pastagens degradadas e monoculturas de cana, eucalipto e laranja.
Na Década da Restauração decretada pela ONU para o período de 2020 a 2030 como plano para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, Botucatu poderá, ou perder esse patrimônio natural de valor incalculável, ou protegê-lo e valorizá-lo, permitindo que a vida selvagem prospere, os recursos hídricos sejam preservados e a sociedade tenha sua qualidade de vida protegida. Existe muito pouco tempo para se agir antes que os efeitos das mudanças climáticas se tornem irreversíveis. O mundo está reagindo, Botucatu também precisa. Qual direção iremos tomar?
* Jorge Luís Araújo Martins é Médico Veterinário Especialista em Animais Selvagens e PhD em Biotecnologia Animal Especialista em Biologia da Conservação da Vida Silvestre. Acumula experiência de pesquisa em Instituições como Zoológico de Berlin, Museu Paraense Emilio Goeldi, UNESP, Conservação Internacional e WWF. Atua também como Consultor dando suporte a ações de Responsabilidade Socioambiental junto a Empresas.