Macrozonas de Atenção Hídrica e Zonas Especiais de Preservação Ambiental

Essas áreas são sensíveis para o meio ambiente, seja pela questão hídrica, seja pra questão dos ecossistemas

Por Jorge Martins*

Acontecerá no próximo dia 16 na Câmara Municipal de Botucatu uma Audiência Pública para discussão dos dois Projetos de Lei números 03/2022 e 09/2022. Ambas as leis são demandas regulatórias geradas pelo Plano Diretor de 2017 do Município. O projeto 03/2022 dispõem sobre a regulamentação da ocupação do solo nas Macrozonas de Atenção Hídrica e o 09/2022 dispões sobre a regulamentação das ZEPAMs Zonas Especiais de Preservação Ambiental e as ZEDEE Zonas Especial de Desenvolvimento Ecológico e Econômico. Essas leis são necessárias e bem-vindas e estabelecem critérios mais claros sobre o tipo de ocupação do solo e atividades que podem ser desenvolvidas nesses diferentes Zoneamentos.

Essas áreas são sensíveis para o meio ambiente, seja pela questão hídrica, seja pra questão dos ecossistemas, seja a questão da preservação do patrimônio natural da Cuesta em sua enorme complexidade, que abrange ecótono Cerrado X Mata Atlântica, divisores de bacias hidrográficas, recarga do Aquífero Guarani, rica biodiversidade, mananciais de abastecimento urbano, além das Cuestas basálticas.

É importante ressaltar que essas leis constituem avanços importantes na regulação oficial de atividades e uso do solo em áreas relevantes do ponto de vista hídrico e ecológico, que se encontram dentro da mancha urbana do município, e que sem essas leis, estarão sujeitas a uma ocupação desordenada, sem o devido critério ambiental como referência.

No que diz respeito as Macrozonas de Atenção Hídrica está clara a preocupação de preservar as áreas nas confluências do Rio Pardo, provedor das águas de Botucatu, e a proteção do Alto Capivara como fonte alternativa de água para o município. No que compete a essa regulamentação a lei se esforça para criar uma lista completa no que diz respeito a critérios ambientais de ocupação, estudos prévios, compensação ambiental, caracterização do lençol freático etc. É como uma ultra regulação que inviabiliza projetos de impacto ambiental negativo.

No entanto, no artigo sexto, onde são regulamentadas as Macrozonas IV e V, a jusante e montante do mandacaru, dentro da zona urbana, há uma citação a lotes de 300m2, que são incompatíveis com qualquer ocupação de baixo impacto ambiental, mas que estão previstos no Plano Diretor. No que diz respeito as áreas fora da mancha urbana, não há qualquer menção ao Programa de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA) do Alto Pardo. Lei aprovada que gerou recursos para os agricultores que preservam nascentes do manancial de abastecimento, mas que carece de uma integração com os critérios do Plano Diretos e dessas Leis complementares.

Já na lei das ZEPAMS e o ZEDEE há um esforço muito bom de orientar o uso com atividades e critérios compatíveis com a preservação ambiental. Atualmente Botucatu tem 10 ZEPAM´s, 1 ZEPAM RU (Rios Urbanos) e uma ZEDEE geral. Como a lei só regulamenta o que está dentro da Mancha Urbana essa interface com a Zona Rural demandara uma integração de regulações que preserve os ativos naturais que são objetos dessas leis. Chama atenção a Taxa de impermeabilização permitida de até 40% que pode gerar situação indesejadas na beira da Cuesta para lotes grandes, onde por exemplo, num lote de 1000m2 seria tolerada uma impermeabilização de até 400 m2, o que em épocas de chuva, pode gerar volume de escoamento que podem acelerar processos erosivos na Cuesta. A proibição de muros no entorno da Cuesta era uma medida esperada a muito tempo, que finalmente agora toma contornos de regulamentação.

As organizações da sociedade civil, o CONDEMA e as Secretarias envolvidas nessa construção parecem terem se ouvido mutuamente e buscado critérios técnicos para orientação dos trabalhos. Obviamente não há consenso sobre tudo, e nem se poderia, mas a regulamentação é sim um avanço a luz do que tem ocorrido no passado recente de Botucatu, que está experimentando um crescimento urbano significativo nos últimos tempos. Se for aprovada e implementada, essas leis serão positivas para o meio ambiente.

Obviamente no poder público e no estado de direito as leis e regulações avançam lentamente e estão atreladas a critérios prévios que muitas vezes limitam o alcance ou impedem mudanças drásticas nos rumos das regras. Isso é bom, mas também pode ser ruim pois engessa mudanças ambientais urgentes que precisam ser feitas a luz dos desafios ambientais da nossa época. No Brasil ainda há também aquele, porém, que é a questão da lei “pegar” ou não. Temos leis ótimas, maravilhosas, que nunca saíram do papel. Outro ponto é a fiscalização, quem fiscaliza? E depois de feito errado…oque acontece? Há multas e outras ferramentas que coíbam a desobediência? Como controlar oque cada um faz na sua terra?

Para que novas medidas regulatórias sejam efetivas também é fundamental que haja um bom alinhamento de ferramentas de zoneamento com os critérios paralelos a nível estadual e/ou federal de licenciamento ambiental que incidam sobre o território. Regulamentações paralelas que não conversem entre si podem gerar muito ruido e a sensação de ineficiência, ou de lei não aplicada. A sobreposição de leis regulatórias de zoneamentos e critérios de licenciamento é um gargalo para que os avanços legais sejam efetivos e não sejam ignorados por critérios de licenciamento unilaterais.

Um exemplo recente e ocorrido em Botucatu foi a liberação de monoculturas de soja na zona de amortecimento do Parque Municipal Cachoeira da Marta. Uma área no entorno de Unidade de Conservação, sobre a qual já havia toda uma orientação sobre quais usos de baixo impacto que poderiam ser feitos ali, e que foi simplesmente atropelada pelo licenciamento do órgão estadual competente que liberou a implantação de grandes plantios de soja naquela posição.

Sem falar que todo o Zoneamento da APA no perímetro Botucatu, que é um dos trabalhos mais completos de estudo de risco ambiental já feito, não foi implementado e embora tenha usado critérios científicos para ser realizado, foi devidamente ignorado, com sobreposição dos plantios de soja às Zonas de Conservação do Patrimônio Natural e Zona da Vida Silvestre. Outro ponto é o Plano Municipal da Mata Atlântica. Como ele dialoga com esse Zoneamento que esta proposto? Há uma integração de conceitos e critérios que melhore a proteção ambiental?

Então e para concluir, fica o alerta. A regulamentação é boa e é bem-vinda, mas é passível de ser melhorada pela sociedade civil organizada e deve estar integrada de maneira sistêmica as demais leis que regulam a questão ambiental. Mesmo que aprovada essa lei, se não for implementada e se não houver fiscalização, pode não pegar. A sua difusão junto aos órgãos de licenciamento também é fundamental para que empreendimentos que dependem de licenciamento ambiental sejam avaliados a luz dos critérios previamente estabelecidos por essas leis complementares.

O esforço de criar essas leis e levá-las a uma Audiência Pública é um reflexo do empenho de diferentes instituições e pessoas que desde 2005 acompanham e ajudam na construção e detalhamento do Plano Diretor de Botucatu. A cidadania e compromisso dessas pessoas está fazendo a diferença no desenho dos critérios de uso do solo e podem ajudar a proteger uma parte do patrimônio natural riquíssimo que nossa cidade detém. Por isso, compareçam a Câmara dia 16 para se envolver na construção de uma cidade mais justa, sustentável e próspera.

* Jorge Luís Araújo Martins é Médico Veterinário Especialista em Animais Selvagens e PhD em Biotecnologia Animal Especialista em Biologia da Conservação da Vida Silvestre. Acumula experiência de pesquisa em Instituições como Zoológico de Berlin, Museu Paraense Emilio Goeldi, UNESP, Conservação Internacional e WWF. Atua também como Consultor dando suporte a ações de Responsabilidade Socioambiental junto a Empresas.

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