Teleconsulta foi uma aliada de mulheres em situação de depressão pós-parto nos períodos mais críticos da pandemia
Da Agência Einsten
Um estudo brasileiro mostrou que 38,8% das mulheres que deram à luz entre junho e dezembro de 2020 em hospitais públicos de São Paulo apresentaram sintomas de depressão pós-parto – quase o dobro da taxa observada em estudos nacionais anteriores. Os dados do novo trabalho, publicado no periódico Journal of Affective Disorders, sugerem que a ansiedade gerada pela pandemia de Covid-19 aumentou a prevalência de depressão pós-parto. Além de revelar a alta taxa de sintomas de depressão pós-parto, o estudo encontrou ainda elevada prevalência de ansiedade (40,8%) e ideação suicida (14,3%).
O estudo foi conduzido em dois serviços de saúde da Universidade de São Paulo (USP) – o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina e o Hospital Universitário –, e avaliou 184 puérperas. As participantes tinham, em média, 30 anos e o número médio de dias de pós-parto foi 56. A saúde mental das participantes foi examinada no pós-parto a partir de três ferramentas: Edinburgh Postnatal Depression Scale (EPDS), Hospital Anxiety and Depression (HAD) e um questionário destinado a entender a rotina das participantes após o início da pandemia de SARS-CoV-2. Esse último coletou dados demográficos e avaliou também o grau de distanciamento social adotado pelas participantes durante a pandemia, seus medos e preocupações sobre a gestação e o parto, e suas reações às notícias sobre o SARS-CoV-2.
“A depressão pós-parto ainda é subdiagnosticada. Isso significa que o quadro é muito maior do que conseguimos detectar tanto na rotina de consultório, quanto nas pesquisas. Na pandemia, observamos um aumento expressivo da doença e o principal motivo vem da falta de um dos fatores mais protetivos para as mulheres no puerpério: a rede de apoio, composta tanto pela família quanto pela rede social”, diz Patrícia Guillon Ribeiro, psicóloga clínica e professora da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).
Segundo Patrícia, que atua na área da psicologia da maternidade e comportamento parental, na cultura brasileira, boa parte do apoio à puérpera vem dos avós do bebê, que representam, justamente, uma das populações de maior risco para a Covid-19. “Se pensarmos nos pais dessas gestantes, que possivelmente cumpriram o isolamento nas fases mais críticas da pandemia e, portanto, não puderam estar presentes nos cuidados da mãe e do bebê, entendemos a dimensão desta ausência”, avalia.
A própria puérpera e o bebê, lembra Patrícia, também representam um grupo de risco importante. “No pós-parto a mulher está fisicamente mais vulnerável, se recuperando de um processo. A falta de dados do risco do vírus para esse público, somada à falta da rede de apoio, também agravou o quadro. O impacto do estresse constante e agudo sobre uma pessoa é fator de risco altíssimo para a depressão. No puerpério, isso é ainda mais exponencial, o que nos levou a ver um número muito alto de gestantes nessa condição por falta de assistência”, continua.
Além da questão emocional ligada à ausência de uma rede de apoio (em muitos casos, até mesmo de um parceiro) e ao isolamento das novas mães, é preciso levar em conta toda a adaptação ao novo e a necessidade que essas mulheres tiveram em dar conta de todas as suas demandas e das demandas do bebê. Ou seja, o puerpério, por si só, já não é o momento emocionalmente mais fácil para as novas mães.
A toxicidade da informação
Os autores do estudo verificaram, ainda, que as participantes passaram em média 4,45 horas por dia ouvindo ou lendo notícias sobre Covid-19. As que tiveram depressão pós-parto gastaram em média 5,6 horas buscando informações sobre a pandemia, enquanto as que não desenvolveram o quadro dedicaram 3,7 horas por dia a esta atividade.
“Criou-se um terror inicial, especialmente em relação ao desconhecido, e esse é um dos itens que mais abordamos em psicologia da pandemia. O medo daquilo que não se conhece é fator de risco para o estresse pós-traumático. Com muitas informações desencontradas, sem dimensionar o risco para si e para o bebê, essas mulheres não tiveram onde amparar suas atitudes e seus pensamentos”, analisa a psicóloga.
Em relação à ideação suicida, houve uma diferença significativa: as participantes que apresentaram o sintoma dedicaram 4,5 horas diárias à busca de informações sobre a pandemia enquanto as que não tiveram o sintoma dedicaram 2 horas diárias à tarefa. “Nesse contexto de depressão pós-parto estamos, sim, diante de quadros de suicídio, ideação e tentativa, além de outros extremos graves como violência contra o bebê. Socialmente são mulheres crucificadas por essas atitudes, mas estamos falando de uma doença cujas repercussões poderiam ter sido evitadas se tivesse sido adequadamente diagnosticada e tratada”
Cuidados emocionais no pós-parto
A teleconsulta foi uma aliada de mulheres em situação de depressão pós-parto nos períodos mais críticos da pandemia. “Falamos em psicoterapia de emergência, na qual o foco do atendimento foi reduzir ansiedade, facilitar a adaptação, manejar a autocobrança e orientar a busca por informações mais adequadas. Pela ocasião da amamentação, o tratamento medicamentoso deve ser feito com muito cuidado nesses casos”, finaliza a psicóloga, que, durante dois anos da pandemia, montou um grupo de psicólogas voluntárias para atender mulheres que pediam ajuda, com o objetivo de reduzir crises depressivas e de ansiedade, evitando desfechos de gravidade maior.