Unesp de Botucatu promove debate sobre relações étnico-raciais

Iniciativa foi coordenada pelo Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP) e pelo Núcleo Negro

Da Redação

A socióloga e docente da Faculdade de Filosofia e Ciências da Unesp, campus de Marília, Maria Valéria Barbosa esteve na última quinta-feira, 7 de julho, participando de discussões com a comunidade acadêmica sobre as relações étnico-raciais na Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP). A iniciativa foi coordenada pelo Núcleo de Apoio Pedagógico (NAP) e pelo Núcleo Negro para Pesquisa e Extensão Universitária (NUPE).

Pela manhã, a discussão envolveu a direção da faculdade, além de representantes das coordenações dos cursos de Medicina e de Enfermagem, coordenação da Residência Médica e coordenação do NAP. Depois o debate aconteceu com os alunos dos cursos de Medicina e Enfermagem. E, em um terceiro momento, com os docentes que atuam na coordenação dos cursos de Medicina e Enfermagem, mentores da Comissão de Assuntos Estudantis (CAE), Núcleo Docente Estruturante (NDE), Comissão de Permanência Estudantil e Serviço de Apoio Psicológico aos Estudantes (SEAPES).

A professora titular Jacqueline Costa Teixeira Caramori, vice-diretora da FMB, afirma que é papel da universidade criar oportunidades de discussão que permitam ampliar o entendimento na promoção da igualdade e de luta contra o racismo. “O racismo é um problema atual e não apenas um legado histórico. Ele se legitima e se reproduz em discretas ações. Se não for vigilante, a instituição acabará contribuindo para essa reprodução. Entendemos que debater a temática racial é uma questão política, de direitos humanos, de dignidade e justiça social. Uma causa de todos, não apenas dos negros que ficaram excluídos da universidade”, declara.

A dirigente afirma que a agenda também contribui para fortalecimento do papel do NUPE dentro da instituição. “Aprendemos muito com a professora Maria Valeria Barbosa. Enfatizamos as necessárias articulações com a comunidade para ampliar o enfrentamento e mobilizar suas propostas de cuidado, resgate, memória, pesquisa, e muito, muito acolhimento. Além de novas perspectivas de inclusão no ensino, como a capacitação para professores, que ocorrerá com apoio do NAP”, avalia.

Perspectiva

Ao final das discussões realizadas ao longo do dia, a professora Maria Valéria disse estar gratificada  pela oportunidade de falar de temas tão relevantes em um ambiente que tem barreiras a serem quebradas na luta contra o racismo. “Essa é uma tarefa política importante. Estamos em um espaço de exercício da branquitude, onde se naturalizam determinadas situações e as vezes não se consegue perceber o quanto que o racismo se faz presente. O quanto ele está cotidianamente colocado, naturalizado. Ter tido um dia em que a gente pôde começar a discutir essa temática, a trazer para dentro da faculdade uma perspectiva reflexiva, me deixa extremamente grata e muito feliz com os desdobramentos que esse processo pode produzir”, afirma.

Na sua ótica, a importância da FMB na geopolítica da universidade a transforma em espelho para as demais unidades, motivando a multiplicação dos espaços para que as questões étnico-raciais possam ser debatidas com mais profundidade e abrindo caminho para construção de uma instituição mais conectada com o perfil da sociedade brasileira. “Discutir as questões étnico-raciais numa faculdade de medicina não é só uma tarefa política importante, mas uma tarefa política necessária se queremos ter uma universidade inclusiva, respeitosa, referenciada socialmente e que forme pessoas com essa mesma perspectiva. Para que a gente tenha uma mudança efetiva para uma sociedade anti-racista e de promoção de igualdade. Nos leva a um outro patamar em termos de formação, com uma medicina que vai se preocupar com uma nova pauta. Vai formar melhor o conjunto dos seus profissionais, fazendo com que olhem para o conjunto da população de forma mais humanizada. E compreendam melhor, não só quem eles são, como o papel social e político que eles devem desenvolver”.

Além do diálogo com a direção, coordenadores, professores e estudantes, Maria Valéria valoriza a disposição demonstrada pelos envolvidos na construção de uma pauta política que passa por diferentes caminhos e que inclui mudança de postura da comunidade acadêmica e um conjunto de ações que envolvem currículo, formação, ampliação do diálogo com os alunos (sobretudo os que ingressaram pelo sistema de cotas), permanência estudantil, entre outros temas. “Temos uma perspectiva boa de entender melhor esse espaço, esse lugar. Valorizar outras contribuições teóricas e políticas. Eu saio daqui muito realimentada, percebendo que transformações estão por vir. Tenho certeza que até o final do ano vamos poder colher frutos muito positivos de todo esse processo”, acrescenta.

Questionada sobre o sistema de cotas que neste ano completa 10 anos e passa por um processo de avaliação, a professora afirma ser um instrumento que produziu avanços importantes, mas que ainda se faz necessário diante das profundas desigualdades que caracterizam a sociedade brasileira. “Eu não gostaria de ter cotas permanentemente. Se isso acontece é sinal que não resolvemos os problemas que estão para além das cotas. Ela ainda é necessária, porque vivemos numa sociedade extremamente desigual, racista, com um racismo muito velado. Gostaria de deixar de ter as cotas não por discordância dela, mas porque resolvemos as mazelas deixadas pelo processo de racismo na sociedade brasileira”.

Trajetória

Maria Valéria Barbosa possui graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), mestrado pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e doutorado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP).

Atualmente é professora assistente doutora na Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, Campus de Marília, atuando na graduação de Ciências Sociais e Filosofia, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais e no Mestrado Profissional de Sociologia em Rede Nacional – ProfSocio.

Tem experiência de ensino e pesquisa na área de Sociologia da Educação, com ênfase nos seguintes temas: negro e educação, análise de política educacional, processos de ensino e aprendizagem, Teoria Histórico-Cultural, ensino de Sociologia e Cidadania e Direitos Humanos.