Pacientes que perderam o olfato ou paladar pós-Covid têm mais problemas de memória

Pessoas que apresentavam mais sequelas sensoriais pós-Covid tiveram um pior desempenho nos testes cognitivos

Da Agência Einsten

Estudo feito por pesquisadores do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC/FM-USP) com pacientes internados devido à Covid-19 aponta que aqueles que apresentaram perda de olfato ou paladar por um período prolongado também tiveram mais problemas em testes cognitivos, especialmente nos de memória.

Os resultados apresentados pelo hospital de São Paulo foram publicados no jornal “European Archives of Psychiatry and Clinical Neuroscience”. Eles reforçam dados de estudos anteriores à pandemia, que demonstravam que o declínio da capacidade de reconhecer cheiros pode ser um sinal precoce da doença de Alzheimer.

As evidências científicas apontam que a disfunção sensorial pode se manifestar nos pacientes com Alzheimer antes mesmo do aparecimento dos primeiros sintomas cognitivos – isso sugere a existência de uma relação entre a região cerebral que é responsável pela memória e a que registra e interpreta os estímulos olfativos.

Inclusive, uma pesquisa publicada no fim de julho deste ano na revista “Alzheimer’s & Dementia” chegou às mesmas conclusões e sugeriu que testes de olfato – uma ferramenta barata e simples – sejam incluídos nos exames de rotina de idosos para identificar precocemente os sintomas de perda cognitiva e sinais de demência.

Já na pesquisa do HC/FM-USP, o grupo acompanhou 701 pacientes que foram internados com Covid moderada ou grave no período de março a agosto de 2020. A média de idade foi de 55,3 anos e o tempo médio de internação de 17,6 dias. Pouco mais da metade da amostra (56,4%) precisou ser internada na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 37,4% foram entubados.

Após seis meses da alta hospitalar, eles foram reavaliados. Entre as questões monitoradas para avaliar a qualidade de vida, foi mensurado o funcionamento do olfato e do paladar. Os resultados da pesquisa apontam que a redução do paladar foi a sequela sensorial mais comum (20%), seguida de redução de olfato (18%), redução concomitante de olfato e paladar (11%) e parosmia (9%) (que é a alteração na percepção olfativa, por exemplo, quando um odor antes considerado agradável passa a ser percebido como ruim).

A pesquisa constatou ainda que 12 voluntários apresentaram alucinações olfativas (sentem cheiros que outros não sentem) e nove relataram alucinações gustativas (sentem o gosto de um alimento sem tê-lo provado). Nos dois casos, a maioria afirmou que essas alucinações só apareceram após a infecção pelo coronavírus.

Problemas de memória

Os pesquisadores descobriram também que aquelas pessoas que apresentavam mais sequelas sensoriais pós-Covid tiveram um pior desempenho nos testes cognitivos, particularmente nos testes de memória recente. E esse resultado ocorreu independente do quão grave havia sido o quadro de Covid-19 na fase aguda da doença.

Segundo o psiquiatra Rodolfo Furlan Damiano, um dos autores do estudo realizado no HC e que também é médico psiquiatra do Hospital Israelita Albert Einstein, os voluntários do estudo passaram por testes neuropsicológicos objetivos que avaliam diversos conceitos da cognição, como atenção, função executiva, memória, e habilidade visuoespacial.

Além disso, para avaliar os sintomas olfativos, os pesquisadores usaram uma escala subjetiva: o indivíduo escolhia um número entre 0 e 100 para representar a perda de olfato e paladar percebida — sendo zero, nenhuma; e 100, a perda total.

“Nosso estudo encontrou perda de memória episódica, que é aquela mais focada no dia a dia, e que costuma ser a primeira a ser impactada nos processos demenciais mais comuns, por exemplo a demência de Alzheimer”, disse Damiano. O teste da memória episódica avalia a capacidade de memorização de uma lista de palavras, e os voluntários que relataram problemas sensoriais tiveram desempenho pior nessa tarefa.

Ainda não se sabe qual o mecanismo que levou ao dano cognitivo nos pacientes após a infecção pelo coronavírus.

Segundo Damiano, uma das hipóteses é a de que o vírus SARS-CoV-2 possa invadir e afetar áreas da memória.”Nossa hipótese é que o vírus possa invadir e afetar áreas relacionadas com estruturas de memória, acelerando a progressão de quadros demenciais de indivíduos já previamente propensos. De uma maneira mais objetiva, isso já acontece na demência de Alzheimer, mas de uma forma mais lenta. O que o vírus faria seria acelerar esse processo”, sugeriu o psiquiatra.

Ainda de acordo com Damiano, não existe um tratamento específico para a perda de memória, além da prevenção. “Mas podemos fazer coisas para diminuir os sintomas de maneira geral e, em algumas pessoas, remitir o quadro com ajuda de exercício físico, com a reabilitação cognitiva com profissional de neuropsicologia e com uma alimentação mais regrada”.

Uma das formas de prevenção para o déficit cognitivo, ressalta o médico, é prevenir-se contra a Covid-19, especialmente por meio da vacinação. “Muitas pessoas focam na mortalidade, mas deixam de dar a devida atenção a morbidade, ou seja, aos outros adoecimentos que podem ocorrer simultaneamente”, disse.

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