Menos de 20% dos pacientes recebem orientação adequada para tratar hipertensão

Pesquisa demonstra o que os médicos têm chamado de “inércia terapêutica”

Da Agência Einsten

Considerada uma doença crônica não transmissível, a hipertensão arterial é um dos principais fatores de risco para eventos cardiovasculares como o infarto e o acidente vascular cerebral (AVC), além de doenças renais e morte súbita. Por se tratar de uma condição frequentemente assintomática, manter os níveis da pressão sob controle é fundamental para a saúde.

Mas nem sempre isso acontece. Estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) constatou que apenas 18,8% das pessoas com hipertensão no Brasil receberam as orientações adequadas para controle da doença em 2019. E o número piorou quando comparado com os dados de 2013, quando 25,3% da população foi orientada corretamente. Os pesquisadores analisaram os dados da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um inquérito nacional domiciliar, que inclui amostra de pacientes de todo o Brasil. Os resultados foram publicados na Revista Epidemiologia e Serviços de Saúde.

“Nós avaliamos a qualidade da assistência, especialmente quando falamos em rede pública e atenção básica à saúde. Comparando com os dados de 2013 a gente esperava uma melhora nos indicadores, uma evolução, e não uma piora”, afirmou a professora Elaine Tomasi, do Departamento de Medicina Social da Faculdade de Medicina da UFPel, uma das responsáveis pelo estudo.

Foi considerado como cuidado adequado da doença se os pacientes ouviram recomendações dos médicos e outros profissionais da saúde durante as consultas sobre: manter uma alimentação saudável, reduzir a ingestão de sal, manter o peso adequado, praticar atividade física, não fumar, não ingerir bebida alcoólica em excesso e fazer acompanhamento regular da sua condição. A solicitação de exames (urina, sangue, eletrocardiograma e teste de esforço) também foi considerada como um indicador da adequação dos cuidados com a hipertensão.

Segundo Elaine, para o cuidado com a hipertensão ser considerado de excelência, o paciente tinha que afirmar ter recebido todas essas orientações e não apenas parte delas.

“Existe um consenso sobre um conjunto de ações que são recomendadas para o controle da hipertensão. E ele não envolve apenas o uso de medicamentos. Existem as ações comportamentais. Foi uma escolha nossa analisar se a pessoa recebeu todo esse conjunto de orientações porque a gente entende que o paciente precisa receber todo cuidado para cuidar da sua saúde e não apenas parte dele”, destacou a pesquisadora.

Ela acrescentou, ainda, que essas orientações precisam ocorrer com certa frequência: “Não adianta falar para uma paciente sobre os cuidados com a hipertensão uma única vez. Essas informações precisam ser reforçadas em toda consulta”, frisou.

O cardiologista Humberto Graner, coordenador do pronto-atendimento do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia, avalia os resultados como preocupantes.

“Temos que lembrar que a hipertensão arterial é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares mais graves, como AVC, infarto, problemas renais. A hipertensão é um catalisador. Se não cuidarmos dessa base, com certeza teremos problemas mais para a frente”, diz.

Para Graner, essa pesquisa demonstra o que os médicos têm chamado de “inércia terapêutica”, um conceito que vem sendo discutido em congressos de cardiologia.

“Nós sabemos como tratar a hipertensão, existe uma centena de medicações que controlam efetivamente a doença. Parte desses medicamentos estão disponíveis na rede pública. Então se temos as ferramentas básicas necessárias para reduzir os fatores de risco de problemas cardiovasculares, por que não conseguimos?”, pergunta o médico.

Desigualdade social e regional

Quando os pesquisadores fizeram os recortes sociais para analisar onde houve a piora no controle da hipertensão arterial, constataram que as desigualdades regionais e de renda ainda existem.

Segundo Elaine, quanto melhor a classe econômica, melhor cuidado foi dispensado para quem tem hipertensão. Apenas 9% dos pacientes mais pobres receberam cuidados adequados; enquanto entre os de classe social mais alta esse número sobe para 33%. E os pacientes do Norte e Nordeste também são os que menos receberam assistência adequada.

Elaine reforça que para enfrentar esta situação, é preciso fortalecer a atenção primária à saúde e o Sistema Único de Saúde (SUS), com investimentos em programas de educação permanente das equipes e reforço às políticas públicas de incentivo à adoção de comportamentos saudáveis para todos os cidadãos.

“Esse é um problema estrutural. A gente sabe que há escassez de recursos na rede pública, mas as medicações para controle da hipertensão existem e orientar o paciente adequadamente não tem custo. Não adianta investirmos em pesquisa para encontrar a cereja do bolo no tratamento das doenças cardiovasculares se não conseguimos fazer nem o arroz com feijão”, ressalta Graner.

As doenças cardiovasculares são a principal causa de morte, hospitalizações e atendimentos ambulatoriais em todo o mundo, inclusive no Brasil. Segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia, cerca de um terço da população brasileira é hipertensa.

“As pessoas precisam entender que a hipertensão não é o problema final, ela é o meio do caminho, é a estrada que leva a uma doença mais grave. Por isso é tão importante manter os níveis pressóricos sob controle”, finalizou Graner.

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