Projeto desenvolvido no Hemocentro de Botucatu recebe prêmio nacional

Equipe do Hemocentro é orientada a estabelecer um protocolo de hidratação específico

Da Redação

A necessidade do cumprimento de uma norma prevista no processo de graduação de estudantes da Unesp, aliada à existência de um problema que trazia impacto negativo à captação de doadores de sangue para o Hemocentro de Botucatu, levaram à elaboração de um projeto que conquistou o prêmio “Um Só Sangue” no Congresso Brasileiro de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular, organizado pela Associação Brasileira de Hematologia, Hemoterapia e Terapia Celular -ABHH, de 25 a 28 de outubro, em São Paulo e que tem potencial para ser reproduzido em outras partes do Brasil. 

A proposta surgiu de conversas entre a Profª Drª Lígia Niero-Melo, docente assistente-doutora e Hematologista da Faculdade de Medicina de Botucatu (FMB/UNESP) e a presidente-fundadora da Liga de Hematologia e Hemoterapia de Botucatu (LiHemo), a acadêmica Verônica de Andrade Bastos, do 4°ano do curso de Medicina. Constituída em fevereiro de 2023, rapidamente a LiHemo transformou-se na maior Liga ativa, congregando cerca de 50 alunos. 

No desenvolvimento de suas ações, uma das preocupações do grupo era atender a Resolução Unesp nº 41/2021, que estabelece que o conjunto de atividades curriculares de Extensão Universitária deve compor, no mínimo, 10% do total da carga horária dos cursos de Graduação. Foi aí que a professora Lígia enxergou a oportunidade para solução de um problema antigo e sugeriu a criação de um ambulatório específico ao atendimento de doadores com Distúrbios Eritrocitários (A.D.D.E).

Apesar do setor de apoio ao doador funcionar desde 1982, ano de criação do Hemocentro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu (HCFMB), ainda não havia um serviço voltado a acolher e acompanhar pessoas que eram impedidas de fazer a doação de sangue por apresentarem níveis de hemoglobina (Hb) baixos ou altos. Até então, quem se encaixava nesses casos era orientado a procurar atendimento médico e esperar três meses para verificar se poderia tentar nova doação. 

Por conta disso, o Hemocentro constantemente perdia contato com esses possíveis doadores, sem saber se eles de fato recorriam à assistência médica para investigação desses achados, muitas vezes assintomáticos, mas que podem ser indicativos de diversas patologias. Outro impasse ocorria com o grande número de poliglobúlicos, que eram sempre dispensados mensalmente – cerca de 20% a 30% de todos os doadores.

“Temos falta de médicos para fazer Hemoterapia Clínica e, ao mesmo tempo, precisamos de doadores. Para aquelas pessoas que desejavam fazer a doação mas apresentavam anemia (falta de glóbulos vermelhos no sangue) ou poliglobulia (excesso de glóbulos vermelhos circulantes), não havia atendimento. Pensei comigo: temos que abrir esse filão para darmos a eles a devolutiva do fato de terem nos procurado para doar. É uma questão de Saúde Pública e de reconhecimento a quem se dispõe a ajudar quem precisa. A seleção de doadores de sangue já é bastante restritiva. Invés de perder, quero resgatar doadores”, explica a professora Lígia sobre os motivos que a levou a apresentar a ideia de criação do ambulatório. 

Equipe vencedora do prêmio, com projeto que otimizou a doação de sangue ao Hemocentro

Proposta e método   

O projeto intitulado “Criação do Ambulatório do Doador com Distúrbios Eritrocitários (A.D.D.E) – Uma forma de promover saúde e retorno de potenciais doadores ao Hemocentro de Botucatu” foi elaborado com objetivo de identificar a causa dos distúrbios, tratá-los quando pertinente e fornecer fluxo para esses pacientes que ficavam à deriva no sistema de saúde. E, na medida do possível, resolver o impedimento temporário promovendo o retorno deste público ao grupo de aptos à doação. Para isto foi criado um serviço específico onde os ligantes (integrantes da LiHemo) fazem plantões semanais aos sábados, com acolhimento clínico aos doadores rejeitados, e que são avaliados por meio de uma anamnese detalhada e exame físico completo. 

A equipe do Hemocentro é orientada a estabelecer um protocolo de hidratação bastante simples para todos os doadores poliglobúlicos. Depois disso é feita uma nova aferição da Hb capilar. Os pacientes cujas taxas apresentem redução, são liberados para doação. “É bom lembrar que esse atendimento é feito aos sábados e na sexta-feira muita gente gosta de tomar sua cervejinha. Doadores acima de 18 gramas de hemoglobina eram rejeitados. Passamos a dar a eles dois ou três copos de água. Meia hora depois colhemos nova hemoglobina. Resultado: recuperamos 54% dos doadores. Eles só estavam desidratados”, ilustra Lígia. 

Já aqueles em que a dosagem de Hb se manteve alta, ou anêmicos (Hb baixa), são encaminhados para o Ambulatório do Doador com Distúrbios Eritrocitários (A.D.D.E), onde, quinzenalmente, internos e ligantes, sob a supervisão da Drª. Ligia Niero, solicitam exames e reavaliam os pacientes, que podem receber alta com a orientação de poder doar sangue ou não; ou serem encaminhados para uma especialidade adequada para tratar a causa de base da manifestação hematológica, nas unidades básicas de saúde (UBS)  ou mesmo no ambulatório de Hematologia do HCFMB. 

Resultados e comemoração

Nos primeiros dois meses de desenvolvimento do projeto, a presença dos integrantes da LiHemo nas doações de sangue realizadas aos sábados já apresentou resultados promissores. Neste período foram atendidos e triados nove pacientes (entre eles 6 com poliglobulia e 3 com anemia), alcançando taxas de retorno dos doadores de 54% e 40%, no primeiro e segundo mês, respectivamente, que seriam inabilitados por apresentarem poliglobulia, mas que tiveram diminuição dos índices de Hb após hidratação, tornando-se aptos à doação.

Para a professora Lígia, o grande mérito do trabalho é resgatar doadores. A docente destaca a pró-atividade dos estudantes e o amor que já são capazes de demonstrar pelo exercício da Medicina. “Mais do que aplaudida, nossa Liga foi reverenciada. Eram mais de 900 estudantes de Medicina presentes ao congresso e muitos pretendem reproduzir nossa proposta em suas escolas. A pró-atividade de nossos alunos é impressionante. O projeto permite a eles colocar a mão na massa, fazer Medicina e isso eles adoram”. 

Para os integrantes da Liga, a continuidade do projeto sinaliza grande potencial de benefícios dentro do cenário da doação de sangue em Botucatu, além de mostrar na prática a importância e eficácia de medidas efetivas simples e de baixo custo, como a hidratação para recuperação de doadores que antes seriam descartados por uma poliglobulia reacional. 

A equipe ainda receberia o inédito prêmio “Um Só Sangue”, pela criação do Ambulatório do Doador com Distúrbios Eritrocitários (A.D.D.E). O prêmio “Um Só Sangue”, no valor de R$ 5 mil, será entregue à LiHemo através da sua coordenação, pelo presidente da Associação Brasileira de Hematologia e Hemoterapia e Terapia Celular (ABHH), Dr. José Francisco Comenalli Marques Júnior, formado pela FMB, na XVII Turma do curso de Medicina.

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