Unesp expulsa alunos por trote violento que deixou caloura em coma

Caso envolvendo os alunos aconteceu em julho de 2023

Do G1

Quatro alunos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Guaratinguetá  foram expulsos por conta de um trote violento contra uma universitária de 21 anos, que chegou a ficar em coma e foi internada na UTI por conta de complicações de saúde provocadas pelo trote.

O caso aconteceu em julho de 2023, mas os desligamentos foram comunicados oficialmente pela faculdade, em uma nota nas redes sociais, na última quarta-feira (3).

Além disso, a expulsão foi publicada no Diário Oficial do Estado de São Paulo no fim do ano passado, em 19 de dezembro.

O caso

O caso aconteceu na noite do dia 4 de julho de 2023. A vítima é a universitária Fernanda Pereira Gimenez, moradora de Atibaia. Ela tem 21 anos.

Fernanda ingressou na Unesp de Guaratinguetá em 2021, quando foi aprovada no curso de engenharia civil e passou a morar em uma república estudantil.

No dia 4 de julho, Fernanda e uma outra caloura da república deixaram de cumprir uma das obrigações impostas pelas veteranas e, por conta disso, precisaram pagar trote em outras repúblicas da cidade.

Foi em uma delas – uma república masculina – que o trote violento aconteceu. A universitária e a colega foram obrigadas a pagar seguidas séries de flexões e a consumir bebidas alcóolicas, que eram misturadas com diversos ingredientes, como vinagre, pó de café, mostarda, sal, feijão e pimenta.

“Prepararam mais de um litro dessa bebida de cachaça, com muita pimenta calabresa e outros ingredientes. Precisávamos seguir algumas orientações e, caso não conseguíssemos, tínhamos que beber”, lembra a estudante, que conta que o trote só foi encerrado quando a garrafa de cachaça acabou.

No início de 2023, ela mudou de república por questões de relacionamento e, por entrar em uma nova, precisou cumprir tarefas e obrigações como se fosse uma caloura.

Calouros são estudantes recém-chegados a uma instituição de ensino. É tradicional em diversas universidade do país que calouros paguem prendas durante o primeiro ano da faculdade.

“Por conta da troca, é preciso pagar trotes de novo. Ficou combinado que em festas eu não precisaria pagar trote, mas que na casa, sim, e que eu seria considerada caloura”, explica Fernanda.

Internação

Fernanda passou mal por conta do trote e ficou desacordada. Outros universitários que estavam no local acionaram uma ambulância, que a levou para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) de Guaratinguetá.

“No hospital, meu corpo perdeu qualquer estímulo nervoso e parou de respirar, então me sedaram e me intubaram”, conta Fernanda.

No mesmo dia, ela foi encaminhada à Santa Casa da cidade, onde foi transferida para a UTI por conta do estado de saúde. Fernanda conta que correu risco de vida.

“Eu estava sem sinais vitais e não conseguia respirar. No hospital, tiraram muito líquido do meu pulmão. Tiraram um raio-x que mostra uma parte dele toda branca. Um médico me falou que o pior agravante foi broncoaspiração (entrada de substâncias estranhas, tais como alimentos e saliva, na via respiratória), pois eu tentava vomitar e não conseguia”, explica.

A universitária deixou a UTI no dia 7 de julho e teve alta do hospital no dia 9. Apesar disso, até hoje ela convive algumas sequelas.

“Nos dois primeiros meses eu não conseguia ficar muito tempo em pé. Sentia fraqueza e tontura. Isso melhorou, mas hoje ainda sinto um tremor na mão quando faço atividade física”, conta.

Denúncia

A universitária decidiu deixar a Unesp depois do episódio. Ela transferiu o curso e hoje faz engenharia civil na Universidade São Francisco, em Bragança Paulista, cidade vizinha de Atibaia.

“Quando saí do hospital eu queria tentar ficar lá, porque tinha estudado e me esforçado muito para entrar. Mas fiquei muito mal, principalmente de saúde mental, e decidi sair. Vi que não seria possível continuar lá”, lembra Fernanda.

Antes de deixar a Unesp, porém, Fernanda denunciou o caso à direção da universidade e registrou um boletim de ocorrência. Desde então, a universidade abriu uma investigação, que terminou com a expulsão dos quatro alunos.

Além deles, outros cinco foram identificados como participantes do trote violento. Quatro deles foram suspensos por 120 dias e um por 45 dias.

“Fiquei com receio de denunciar as pessoas que participaram, mas percebi que se tratava de um problema muito grave e que ninguém nunca havia denunciado. Demorou (para sair a punição), mas é o que precisava ter acontecido.”

“Quando denunciei, vi comentários de que eu tinha sido babaca e pegado muito pesado, mas hoje tenho certeza que foi a decisão certa. Até porque não quero que novos calouros passem pelo que eu passei”, diz.

O que diz a Unesp?

Na nota publicada nas redes sociais, a Unesp trata o caso como um ‘trote violento’ e informa que o processo disciplinar aberto por conta dele foi encerrado com “a penalidade de desligamento contra quatro discentes diretamente envolvidos com a aplicação do trote”.

Além disso, cita que “por estarem envolvidos em diferentes medidas com o episódio, o Ilmo. Diretor da FEG aplica a penalidade de suspensão por 120 dias contra quatro discentes e aplica a penalidade de suspensão por 45 dias contra um discente”.

Ainda de acordo com a nota, a universidade informa que um inquérito policial por lesão corporal foi aberto no 2º Distrito Policial de Guaratinguetá, e que a instituição foi acionada para a Polícia Civil para envio de ficha contendo qualificação e fotos dos alunos, o que já foi providenciado.

A Unesp comunicou que serão criadas “campanhas permanentes de conscientização e combate ao trote e para que seja criado um memorial de vítimas do trote, ações essas que devem ficar à cargo da Comissão Local de Direitos Humanos.”

O que diz a Polícia Civil?

O g1 acionou também a Polícia Civil para saber como estão as investigações, já que um inquérito policial foi aberto.

No início da noite, a Secretaria de Segurança Pública informou que segue investigando cinco jovens após o trote universitário que ocorreu no dia 4 de julho de 2023, na rua Bernardo de Vasconcelos, no bairro Nova Guará, em Guaratinguetá.

Segundo o boletim de ocorrência, uma jovem, de 21 anos, contou ter sido obrigada a ingerir bebida alcoólica até perder a consciência e ser encaminhada à UPA da região.

Ainda segundo a SSP, o caso foi registrado na Delegacia Plantão de Atibaia e “diligências seguem para esclarecimento dos fatos”.