Teste clínico facilita diagnóstico da urticária crônica
Urticária crônica espontânea pode ser decorrente da presença de autoanticorpos
Da Agência USP
Cientistas brasileiros estão desenvolvendo uma nova abordagem para ajudar no diagnóstico da urticária crônica espontânea (UCE), doença caracterizada por lesões avermelhadas na pele que causam coceiras intensas e pode persistir de seis semanas por até vários anos. A pesquisa propõe o uso do teste de ativação de basófilos (BAT) em alternativa ao método tradicional de diagnóstico – o teste de soro autólogo – que tem disponibilidade limitada e pode causar desconforto.
O trabalho é uma parceria do Grupo Fleury com a Divisão de Clínica Dermatológica do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina (FM) da USP. Atualmente, participam da pesquisa pessoas com diagnóstico clínico de UCE e que recebem acompanhamento médico do Ambulatório de Dermatologia do HC, assim como pessoas que apresentam apenas urticária física e voluntários sadios.
A urticária crônica espontânea é uma condição de pele que causa coceira intensa, inchaços ou “vergões” frequentes e acomete entre 1% e 2% da população mundial, sendo mais comum entre mulheres de 30 a 50 anos. A doença pode ser causada pela presença de autoanticorpos – anticorpos dirigidos contra o próprio organismo – que estimulam células sanguíneas chamadas basófilos, responsáveis por desencadear reações alérgicas. Esses anticorpos forçam os basófilos a se manterem ativos por longos períodos, dando origem aos sintomas.
“Não existem ainda na literatura científica marcadores ou exames que possam elucidar as causas específicas relacionadas à urticária crônica espontânea. Exames como teste do soro autólogo, teste de estimulação de basófilos, Elisa para detecção de autoanticorpos contra receptores de alta afinidade para [o anticorpo] IgE têm sido relatados na literatura científica, porém o papel desses exames continua ainda em investigação”, afirmam Celina Maruta e Raquel Orfali, professoras da FMUSP e coordenadoras do Ambulatório Especializado em Urticária do HC, acreditado internacionalmente como Centro de Referência e Excelência em Urticária.
De acordo com as pesquisadoras, o intuito desse projeto é disponibilizar meios para melhorar a acurácia no diagnóstico da urticária crônica espontânea. No teste de soro autólogo, o soro extraído do sangue do próprio paciente é inoculado em seu braço. Na mesma região da pele são aplicadas substâncias controle para comparação – salina, para controle negativo, e histamina, para positivo. Quando se formam pápulas – pequenas lesões sólidas e elevadas na pele – é possível que estejam presentes anticorpos da classe IgE (imunoglobulina E) , associados a doenças atópicas e alergias.
Já no novo teste, basófilos de doadores saudáveis são expostos ao soro dos pacientes com suspeita de UCE. “Se o soro tiver anticorpos que ativam os basófilos, essas células começam a expressar em sua superfície uma proteína chamada CD63, que pode ser medida para avaliar o nível de ativação”, explica Maira Pedreschi Marques Baldassin, doutora em Imunologia Clínica e Alergia pela USP e analista de pesquisa e desenvolvimento do Grupo Fleury.
Essa nova técnica pode oferecer uma forma mais confortável e eficiente de diagnosticar a urticária crônica espontânea, ajudando médicos a entenderem melhor a condição e a oferecerem tratamentos mais adequados.
“O teste do soro autólogo [método tradicional de diagnóstico] é um teste realizado com o soro do paciente com UCE e apresenta algumas desvantagens, como o tempo de realização e a presença de resultados falso-positivos. Já o teste de ativação de basófilos é um exame que, apesar de sua complexidade, apresenta menos desconforto para o paciente, podendo ser uma alternativa complementar ao teste do soro autólogo”, explicam Maruta e Orfali.
Imprecisão e incômodo
A urticária crônica espontânea pode ser decorrente da presença de autoanticorpos em circulação no sangue que reagem contra o anticorpo IgE ou o receptor da IgE em basófilos e mastócitos – células inatas do sistema imunológico. Os autoanticorpos estimulam essas células a liberarem histamina e outros mediadores que resultam no aparecimento de urticas (lesões de autorrelevo), angioedema (inchaço de camadas mais profundas da pele) ou ambos.
Assim como a UCE, a urticária aguda é caracterizada pelo aparecimento de urticas que se “movem” pelo corpo, podendo surgir em locais distintos do corpo. Porém, o surto de urticas tem duração inferior a seis semanas. As principais causas relacionadas com a urticária aguda são alimentos, medicamentos, infecções e picadas de insetos. Já na UCE, não há participação de um estímulo externo e a duração do surto é sempre superior a seis semanas.
O tratamento da UCE visa ao controle completo da doença, considerando a segurança e a qualidade de vida de cada paciente individualmente. “A primeira linha de tratamento envolve o uso de anti-histamínicos não sedantes [antialérgicos] e, quando não há resposta, podem ser administrados medicamentos imunossupressores. Em casos mais refratários são utilizadas medicações imunobiológicas como as que visam à eliminação de linfócitos B produtores de anticorpos ou o bloqueio do anticorpo IgE ou de algumas citocinas (por exemplo, o TNF-α ou o receptor de IL-4/IL-13), sempre sob supervisão de médicos alergistas ou dermatologistas”, explica Luis Eduardo Coelho Andrade, chefe do Laboratório de Imuno-Reumatologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e assessor médico da área de Imunologia do Grupo Fleury.