Guimarães Rosa inspira “Carne Crua”, novo livro de escritora botucatuense

Narrativa se aprofunda na protagonista que está aprisionada a um modelo de amor

Da Redação

Depois de apresentar sua obra no Encontro dos Povos, no Caminho do Sertão, e em mesa durante a 23ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty, a psicanalista e escritora botucatuense Marta Andrade lança seu livro “Carne Crua” (Editora Patuá, 168 páginas) em Botucatu, São Paulo.

Nascida no município, Marta trabalhou como psicóloga no Centro de Saúde Escola da Faculdade de Medicina de Botucatu, no Hospital Psiquiátrico Cantídio de Moura Campos  e na Unesp, além da sua atuação na clínica psicanalítica. Em 2022, mudou-se para o sertão mineiro, que se tornou o cenário de seu romance, onde narra poeticamente as dores da vida, refletindo a inquietude visceral que atravessa o caminhar de muitas mulheres em nossa sociedade.

Por meio de uma protagonista enigmática e solitária, que escolhe viver uma vida nunca sonhada, a autora e poeta abre caminho por dentro da carne crua e, por isso, viva. Ao longo das páginas, Marta expõe as violências cotidianas e seculares que atormentam as mulheres quilombolas e de comunidades tradicionais, além do desafio que pode ser olhar para dentro de si e lidar com o desconhecido que escapa para além daquilo que se acha que é.

A narrativa se aprofunda na jornada de uma protagonista que está aprisionada a um modelo de amor, vivenciado por muitas mulheres, e transmitido de geração a geração.  Nesse modelo,  ainda enraizado em nossa contemporaneidade, dá-se o nome de amor a aquilo que no fundo é a colonização dos sentimentos, dizeres e corpos das mulheres impondo uma narrativa de silenciamento e subjugação pelo masculino.

O tempo em Carne Crua transcorre de forma circular, há uma dança entre presente, passado e futuro, onde qualquer um destes pode terminar ou começar uma cena, em uma incerta passagem dos fatos. A personagem principal, que apostou em um amor, extrapolando territórios, vive a experiência da alteridade radical, seja geográfica, no amor e em si mesma, e é inspirada na escuta de mulheres reais de comunidades quilombolas do sertão mineiro, onde a escritora foi participar da trajetória sócio-eco-literário  O Caminho do Sertão de Sagarana ao Grande Sertão: Veredas,  e atualmente coordena projetos junto a estas comunidades  do território do Norte Mineiro.

“Há três anos, fui morar no norte de Minas Gerais, onde participei de uma travessia socio-eco-literária chamada ‘O caminho do sertão’, no Território de Grande Sertão:Veredas, e inspirada na obra de Guimarães Rosa. Participei desse projeto em julho de 2022 e me apaixonei. Sou psicanalista de formação e, por esses caminhos, passei a escutar as mulheres das comunidades quilombolas e tradicionais, e acabo escutando também geograficamente o território (a terra, a serra, as veredas). São comunidades afastadas, de difícil acesso, nas quais as pessoas têm poucos recursos de saúde e vivem em insegurança alimentar. Através da escuta da fala dessas mulheres, pude perceber a poesia e as dores desse lugar”, diz Marta Andrade.

Marta trabalhou como psicóloga em serviços públicos de saúde

A vida à beira do vazio

Em meio ao desfazer de expectativas, com o pano de fundo da paisagem do cerrado mineiro, as tristezas da protagonista, os elementos da natureza e a solidão tornam-se personagens em vários momentos da narrativa. A experiência de estranhamento  interfere na própria carne da protagonista , trazendo a crueza da vida tanto em seu caráter de inédito como em sua dureza,  empurrando a protagonista adiante e, com coragem, encarando os novos arranjos que se fazem em sua vida.

Para além das violências, imposições masculinas e silenciamento social, a mulher escolhe insubordinar-se perante a vida cotidiana, e reflete sua força diante do que a oprime, erguendo poeticamente sua voz e inspirando outras a seguir em frente com coragem.

Sobre a autora

Marta Andrade é psicanalista lacaniana. Escutadeira por ofício, enveredou pelos caminhos da escrita na tentativa de fazer passar algo que se escuta no vão das palavras. Na escuta do território geográfico e linguajeiro e das Comunidades Quilombolas do Norte de Minas Gerais, encontrou o som do silêncio e das folias, foi acolhida pelos moradores das comunidades por onde segue escutando o miudinho das estórias e histórias contadas e cantadas. Foi convidada a compor os grupos de dança tradicionais nas Comunidades Quilombolas dos Buraquinhos, Barro Vermelho 1 e das Comunidades tradicionais do Morro do Fogo e Serra das Araras, município de Chapada Gaúcha – MG. De lá, segue bordando com palavras e rodando a saia e o verso entre veredas e buritis.

Ficha Técnica

Carne Crua

Marta Andrade| Editora Patuá, 2025 | Rio de Janeiro

168 páginas; 14 X 21cm

ISBN: 978-65-281-0082-8

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