Por que o ferro é importante para tratar síndrome das pernas inquietas

Síndrome é classificada como um distúrbio neurológico sensorial-motor

Da Agência Einsten

Após mais de uma década, a Associação Americana de Medicina do Sono, nos Estados Unidos, atualizou suas diretrizes para o tratamento da síndrome das pernas inquietas (SPI), mudando de forma significativa a abordagem da condição: a terapia com ferro intravenoso agora é considerada tratamento de primeira linha para pacientes com deficiência desse mineral. O documento foi publicado no Journal of Clinical Sleep Medicine.

A síndrome das pernas inquietas é classificada como um distúrbio neurológico sensorial-motor que se manifesta por um incômodo intenso nas pernas. Os pacientes a descrevem de maneiras variadas: formigamento, aflição, dor, sensação de facadas, coceira ou tensão, por exemplo. Esses sintomas aparecem principalmente no final do dia ou durante a noite, em momentos de repouso. O desconforto só melhora com o movimento, o que interfere na qualidade do sono e, consequentemente, na saúde e no bem-estar geral.

O diagnóstico é basicamente clínico, feito a partir de uma boa conversa entre médico e paciente, sem a necessidade obrigatória de exames laboratoriais. “A síndrome das pernas inquietas é uma alteração de sensibilidade e movimentação. Não precisamos de exames para saber que a pessoa tem a síndrome, mas é essencial que os critérios clínicos sejam bem definidos”, explica a neurologista Letícia Soster, do Grupo Médico Assistencial do Sono do Einstein Hospital Israelita.

Estima-se que a SPI atinja de 5% a 15% da população adulta em graus variados, mas apenas cerca de 2% a 3% das pessoas procuram ajuda médica. A síndrome é mais comum entre mulheres e tende a se tornar mais frequente com o envelhecimento. Há também uma forte associação com a gestação – aproximadamente 20% das gestantes podem desenvolver os sintomas temporariamente.

Entre as possíveis causas estão a genética, problemas renais e a deficiência de ferro. Esse mineral é essencial para a regulação da dopamina, neurotransmissor envolvido no controle do movimento. Estudos recentes mostram que a deficiência desse nutriente no cérebro, mesmo quando exames de sangue apontam níveis normais, está por trás do problema.

O papel do ferro

A atualização do tratamento da síndrome das pernas inquietas reflete avanços na compreensão do ferro no funcionamento neurológico e no controle dos sintomas da síndrome, muitas vezes de forma silenciosa. “É interessante perceber que passamos a tratar uma condição neurológica com um suplemento alimentar em vez de usarmos um medicamento”, observa Soster. “Estamos falando de algo mais próximo da nossa fisiologia, que temos naturalmente no organismo, o que reduz os riscos de efeitos colaterais e permite um tratamento mais barato e acessível.”

O protocolo atual prevê iniciar a suplementação com ferro oral por pelo menos três meses. Essa reposição deve ser feita, preferencialmente, pela manhã e acompanhada de um alimento ácido (como suco de laranja), para otimizar a absorção pelo organismo.

Caso não haja melhora significativa nesse período ou se o paciente apresentar intolerância aos comprimidos, a via intravenosa é a alternativa indicada. “O ferro administrado na veia é mais eficiente, tem menos efeitos colaterais, como constipação ou desconforto gástrico, comuns com o ferro oral, e oferece uma resposta clínica mais rápida”, destaca Soster.

Mas, apesar da eficácia, o acesso ao ferro intravenoso ainda é um obstáculo. “No Brasil, essa forma de tratamento tem cobertura limitada pelos planos de saúde e praticamente não está disponível no Sistema Único de Saúde [SUS] quando a indicação é síndrome das pernas inquietas, o que dificulta o alcance à maioria dos pacientes”, diz médica.

Menos medicamentos

Além da atualização em relação ao uso do ferro, as diretrizes também mudaram a recomendação sobre medicamentos. Até recentemente, os remédios mais prescritos para o tratamento da síndrome eram os agonistas dopaminérgicos — drogas que atuam estimulando a dopamina, usadas também no tratamento do Parkinson.

Embora sejam eficazes no início, esses fármacos passaram a ser associados a um efeito colateral conhecido como “fenômeno de aumentação”, em que os sintomas da SPI se tornam mais intensos, começam mais cedo ao longo do dia ou até mesmo atingem outras partes do corpo. “Percebemos que talvez estivéssemos fazendo um tratamento que, com o tempo, deixava de ser benéfico e até piorava a condição. Isso levou à adoção de alternativas como os medicamentos alfa-delta ligantes [pregabalina e gabapentina], que têm mostrado resultados promissores e menos efeitos adversos”, conta a médica do Einstein.

Esses dois medicamentos, originalmente utilizados para tratar dor neuropática e epilepsia, demonstraram boa eficácia na redução dos sintomas da síndrome das pernas inquietas e são atualmente indicados como opções de primeira linha, quando a suplementação de ferro não é suficiente. Ainda assim, podem causar efeitos colaterais como sonolência, e devem ser usados com acompanhamento médico.

Para casos mais graves e refratários, os opioides em baixas doses passaram a ser considerados uma opção válida nas diretrizes, desde que usados sob rigoroso monitoramento clínico, devido ao risco de dependência.

No caso das crianças, no entanto, o cenário é ainda mais desafiador. Muitos dos tratamentos eficazes em adultos não são recomendados para o público pediátrico, devido à falta de pesquisas que atestem sua segurança. Por isso, a principal recomendação continua sendo a reposição de ferro por via oral, sempre com orientação médica.
Além de prejudicar o sono, a síndrome das penas inquietas no público infantil está associada a distúrbios comportamentais, o que reforça a importância do diagnóstico precoce. O maior obstáculo, porém, ainda é a falta de informação.

Não há uma forma conhecida de prevenir o desenvolvimento da síndrome, mas hábitos como praticar exercícios físicos regularmente, manter uma rotina de sono saudável e evitar substâncias estimulantes podem ajudar a atenuar os sintomas.

“Muitas pessoas convivem com a síndrome durante anos sem saber que têm um problema tratável. Acham que é normal demorar para dormir devido à inquietação nas pernas ou nem chegam a relatar isso em uma consulta médica”, relata a neurologista. “Ainda há um grande desconhecimento, inclusive entre profissionais de saúde, o que atrasa o diagnóstico e o início do tratamento adequado. O impacto na qualidade de vida pode ser enorme, por isso é fundamental ampliar a conscientização.”

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