CEVAP: conheça frentes de atuação e seus biofármacos nacionais de ponta

Centro da Unesp é referência nacional em estudos de venenos e animais peçonhentos

Por Vinícius Nunes Alves* e Janaína Alves** 

Nas últimas décadas, o Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (CEVAP), pertencente à UNESP Câmpus de Botucatu, desenvolveu dois biofármacos a partir das toxinas de animais – Selante heterólogo de Fibrina e Soro Antiapílico. Os biofármacos são basicamente medicamentos formados por moléculas grandes e complexas que são extraídas e sintetizadas de células e microrganismos para a produção de proteínas de aplicação terapêutica.

Esses produtos com tecnologia 100% nacional são considerados estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e estão na última etapa da pesquisa clínica, visando à eficácia e o registro definitivo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para posterior distribuição na rede SUS.

Selante heterólogo de Fibrina

É um biofármaco inovador para o tratamento de úlceras venosas crônicas – feridas de difícil cicatrização geralmente localizadas nas pernas, causadas por problemas na circulação venosa. O produto, fruto de mais de 30 anos de pesquisas, já passou por ensaios clínicos que comprovaram sua segurança, eficácia preliminar e vantagens em relação aos similares disponíveis no mercado, como menor custo, facilidade de aplicação, preparo adequado do leito da ferida e redução da dor. Diferente dos selantes tradicionais, ele não transmite doenças infecciosas, já recebeu carta patente em 2022 e apresenta potencial adicional como suporte para células-tronco e sistema de liberação de medicamentos.

Em 2023, os pesquisadores anunciaram uma versão liofilizada (processo de desidratação que permite conservar o produto em pó, estável em temperatura ambiente e reconstituído apenas com água) do selante, que mantém as propriedades da formulação líquida, mas pode ser armazenada em temperatura ambiente, simplificando o transporte e o uso no sistema de saúde. O novo formato utiliza apenas dois frascos e exige diluição simples com água para injeção, o que facilita sua aplicação. A expectativa é que, com aprovação da ANVISA, o biofármaco seja disponibilizado pelo SUS, ampliando o acesso a uma alternativa mais segura, eficaz e econômica para pacientes em todo o país.

Soro Antiapílico

É um antídoto capaz de neutralizar o veneno de abelhas africanizadas (Apis mellifera) em situações de múltiplas picadas, um problema emergente de saúde pública. A iniciativa surgiu diante da falta de um tratamento específico para acidentes desse tipo, que podem provocar reações alérgicas graves, insuficiência renal e, em situações extremas, levar ao óbito. Produzido a partir do veneno purificado das próprias abelhas, o soro já passou por estudos em laboratório e testes pré-clínicos, apontando resultados promissores.

Diferente das terapias atualmente disponíveis, que apenas tratam os sintomas, o soro age diretamente contra as toxinas do veneno, de forma semelhante ao que já ocorre com os soros antiofídicos usados para picadas de serpentes. A expectativa é que, após aprovação da ANVISA, o produto seja incorporado à rede pública de saúde, tornando o Brasil pioneiro no desenvolvimento de um tratamento específico para este tipo de envenenamento. Se aprovado, o soro antiapílico poderá reduzir drasticamente o risco de complicações em pacientes picados por enxames, oferecendo um recurso vital em situações de emergência.

Origem e atuação

Em 1989 pesquisadores de cinco Unidades da UNESP – Faculdade de Medicina de Botucatu, Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia de Botucatu, Institutos de Biocências de Botucatu e Rio Claro, e Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Araraquara – interessados em estudar os animais peçonhentos em seus múltiplos aspectos, propuseram a criação do Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da UNESP (CEVAP).

Em 27 de maio de 1993 o Conselho Universitário da UNESP oficializou o Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos da UNESP (CEVAP), modalidade Centro de Ciência Translacional, com objetivos de promover o ensino, a pesquisa, a extensão universitária e a cultura no contexto dos animais peçonhentos.

Pesquisa

O Centro de Estudos de Venenos e Animais Peçonhentos (CEVAP), da Unesp, consolida-se como referência nacional em pesquisas que unem biodiversidade e saúde pública. No campo das doenças tropicais, o centro investiga toxinas de animais e plantas — como serpentes, escorpiões, aranhas, sapos, rãs, abelhas e vespas — em busca de compreender seus efeitos clínicos, epidemiológicos e imunológicos, abrindo espaço para a bioprospecção de novas substâncias de interesse terapêutico.

Já na pesquisa clínica, os esforços se concentram em desenvolver medicamentos sintéticos e biológicos, criar inovações em diagnóstico, avaliar a viabilidade econômica de tecnologias em saúde e oferecer respostas às demandas do Sistema Único de Saúde (SUS). Com uma equipe multidisciplinar de especialistas, o CEVAP também forma novos pesquisadores e promove estudos que apoiam decisões estratégicas de gestores públicos e privados, mostrando como a ciência translacional pode transformar venenos em ferramentas para salvar vidas e gerar riqueza para o país.

Prevenção e Primeiros socorros

No site do CEVAP podem ser encontradas informações de utilidade pública voltadas à prevenção e ao atendimento em casos de acidentes com animais peçonhentos. As orientações destacam medidas simples e eficazes para reduzir os riscos, como o uso de botas e luvas no campo, a manutenção de quintais e terrenos limpos e o cuidado ao manusear entulhos, roupas e calçados, que podem abrigar serpentes, escorpiões e aranhas. Também há recomendações específicas para situações envolvendo abelhas e vespas, reforçando a importância de manter distância de colmeias e ninhos e de contar com profissionais capacitados para a remoção segura.

Além das ações preventivas, o portal reúne instruções claras sobre primeiros socorros. Em caso de acidente, a orientação é manter a calma, lavar o local da picada apenas com água ou água e sabão, evitar práticas perigosas como torniquetes, cortes ou uso de substâncias caseiras, e procurar imediatamente atendimento médico, levando o animal para identificação quando possível. Há ainda indicações específicas para múltiplas picadas de abelhas, com destaque para a forma correta de remoção dos ferrões. Dessa forma, o CEVAP cumpre seu papel institucional de oferecer conhecimento científico acessível e confiável, contribuindo para a proteção da saúde pública.

Educação ambiental

Outra extensão que o CEVAP realiza é a educação ambiental recebendo escolas da rede pública e privada da região para visitar o serpentário carinhosamente batizado como Toca das Cobras. O local foi inaugurado em 2008 em parceria com a Prefeitura de Botucatu e é aberto à comunidade por meio de visitas monitoradas.

O espaço abriga cerca de 50 espécies vivas — entre serpentes, aranhas, escorpiões, iguanas, teiús e jabutis — e promove atividades educativas sobre biologia, preservação, prevenção de acidentes e desmistificação de mitos. Com cartazes, vídeos e materiais informativos, a iniciativa se consolida como referência na difusão do conhecimento científico e na aproximação entre universidade e sociedade.

*Vinícius Nunes Alves é biólogo pela Unesp, mestre em Ecologia e Conservação pela UFU, especialista em Jornalismo Científico pela Unicamp. Foi professor substituto no Departamento de Ciências Humanas do IBB-Unesp, é membro do Natureza Crítica – Blogs de Ciência da Unicamp, colaborador dos veículos O Eco, #Colabora e ComCiência. Atua como professor de Ciências na Prefeitura de Botucatu-SP e como jornalista independente.

**Janaína Alves é formada em Letras e Pedagogia, especialista em Docência pela Unesp de Marília, em Tradução pela Estácio de Sá, Gestão Educacional pela Unicesumar e cursa Especialização em Educação Bilíngue e Cognição pela IENH. Atua como Coordenadora Pedagógica Bilíngue na abordagem CLIL, como professora de inglês e escritora independente.

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