Engasgo em crianças: guia ensina pais e cuidadores a agirem com segurança

Confusão entre engasgos por líquidos ou sólidos pode levar a manobras inadequadas 

Da Agência Einsten

Cerca de 2 mil crianças morreram por engasgos no Brasil entre 2009 e 2019, segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Mais da metade desses acidentes ocorreu em menores de 4 anos, e quase 95% antes dos 7 anos. Socorrer uma criança engasgada é um dos momentos mais tensos para qualquer pai, mãe ou cuidador — o medo de agir errado e piorar a situação é enorme, e muitas vezes a reação instintiva pode não ser a mais adequada.

A confusão entre engasgos por líquidos ou sólidos, ou entre obstrução parcial e completa, pode levar a manobras inadequadas e agravar o quadro, aumentando o risco de complicações e morte. Pensando nisso, a SBP publicou recentemente um Guia Prático para pais e cuidadores, com orientações didáticas e detalhadas, voltadas ao público leigo, sobre como agir em cada situação.

O documento explica a diferença entre engasgos por líquidos, como leite materno, sucos ou saliva, e por sólidos ou semissólidos, como alimentos e pequenos objetos. “Engasgo é uma das principais causas de morte acidental na infância. Esse guia representa um marco na prevenção de acidentes porque, pela primeira vez, a SBP reúne orientações nacionais padronizadas sobre como agir nesses casos”, avalia a pediatra Quíssila Neiva Batista, do Einstein Hospital Israelita em Goiânia. “Iniciativas como essa são fundamentais, já que muitos engasgos podem ser prevenidos com informação e preparo.”

Nos Estados Unidos, a Associação Americana do Coração (AHA, na sigla em inglês) atualizou em 2025 suas diretrizes para atendimento a engasgos. Mas essas orientações se concentram apenas em casos de obstrução por corpo estranho, ou seja, sólidos e semissólidos.

“Praticamente não existem recomendações formais de primeiros socorros fora do ambiente hospitalar para engasgos causados por líquidos, justamente porque eles raramente levam à obstrução total das vias aéreas superiores e, portanto, não impactam as estatísticas de mortes por asfixia”, observa a pediatra Valéria Bezerra, coordenadora do Curso de Suporte Básico de Vida da SBP.

Diferentes tipos de engasgos

O engasgo por líquidos costuma estar relacionado a reflexos normais de proteção da via aérea, especialmente nos bebês pequenos, que ainda estão em fase de desenvolvimento da deglutição. Nesses casos, geralmente não há obstrução completa das vias aéreas e a criança deve ser posicionada sentada ou semissentada. “Percebemos que muitas pessoas tentavam aplicar manobras de desobstrução de vias aéreas por corpo estranho em situações de engasgo por líquidos, o que pode ser prejudicial à criança”, afirma Bezerra

Segundo o documento da SBP, se a tosse ou o vômito da própria criança resolver o episódio, não é necessário realizar manobras. Mas, se ocorrer qualquer dificuldade respiratória persistente, o pequeno deve ser levado a um serviço de emergência. Em situações críticas, quando a respiração é interrompida, a recomendação é estimular suavemente as costas e, se necessário, iniciar manobras de reanimação.

Nos casos de engasgo por sólidos ou semissólidos, a prioridade é identificar se a obstrução é completa. Segundo a pediatra do Einstein Goiânia, a obstrução de vias aéreas por corpo estranho (OVACE) é especialmente crítica em crianças menores de 3 anos, período em que a exploração oral e a mastigação ainda não estão plenamente desenvolvidas. Entre os alimentos mais perigosos estão uvas inteiras, salsicha, castanhas, pedaços grandes de carne, pipoca e balas duras. Balões de látex lideram como causa de morte não alimentar em menores de 6 anos.

Sinais de alerta para identificar a obstrução incluem incapacidade de falar ou tossir, respiração ruidosa, palidez ou gestos de levar as mãos ao pescoço. Em crianças menores de 1 ano, a desobstrução envolve cinco pancadas nas costas alternadas com cinco compressões torácicas, feitas de forma cuidadosa. Para crianças maiores, deve-se realizar a Manobra de Heimlich até que a respiração seja retomada.

Pais e cuidadores devem conhecer as condutas corretas e agir rapidamente, pois a identificação precoce e a intervenção adequada salvam vidas. Varreduras cegas na boca, aplicação de força excessiva ou demora em acionar o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), no número 192, são erros comuns que podem agravar o quadro.
“Clinicamente, pode ser difícil para pais e cuidadores reconhecerem o grau exato da obstrução durante um engasgo.

Por isso, a recomendação é observar com atenção os sinais de alerta, que ajudam a diferenciar obstrução parcial de obstrução completa e, a partir daí, definir a conduta adequada”, orienta a pediatra Ana Carolina Viegas, especializada em Saúde da Família e Medicina Intensiva Pediátrica, do Rio de Janeiro.

Em casos de obstrução parcial, quando a criança ainda consegue tossir ou falar, a SBP orienta evitar manobras agressivas. Apenas estimule a tosse e observe atentamente. Mesmo que o episódio de engasgo pareça resolvido, leve a criança ao pronto-atendimento para avaliação médica. O profissional poderá solicitar exames de imagem, como radiografia de tórax, para verificar a presença de corpos estranhos residuais ou possíveis lesões, já que as manobras de desengasgo podem causar pequenos traumatismos.

Como evitar acidentes

A prevenção é a estratégia mais eficaz contra engasgos em crianças. “Supervisionar o momento da alimentação é muito importante. Alimentos sólidos, por exemplo, devem ser oferecidos somente a partir dos 6 meses, de forma gradual, em pedaços muito pequenos, sempre observando a resposta do bebê”, orienta a pediatra da SBP.

Outros cuidados simples também são essenciais, entre eles, educar a criança a mastigar devagar e não falar enquanto come. É importante evitar contato com itens de risco, como brinquedos com peças pequenas, balões ou moedas. A orientação deve se estender a cuidadores e familiares, garantindo que todos saibam diferenciar engasgos por líquidos de obstruções por sólidos.

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